quarta-feira, 1 de julho de 2009

A MANILHA VAI SECA (40): Junta-se água, mexe-se bem, leva-se ao frigorífico e temos milhões de empregos (história da fábrica de penicos)

Vou contar-vos uma pequena história.

Era uma vez um vielarejo do interior (imaginem-o onde quiserem) chamado Vilar do Burro em Pé. Nesta pacata localidade, havia uma próspera fábrica de penicos, que dava emprego a 150 pessoas, havendo famílias inteiras que trabalhavam para o doutor que fabricava as mais ecológicas cagadeiras de que há memória. Um dia, o doutor da fábrica conhece uma moça vinte anos mais nova que lhe dá a volta à cabeça, levando-o a desbaratar a sua pequena fortuna nos mais extravagantes presentes, ofertados na ânsia de satisfazer os mais recônditos e animais desejos de luxúria, de prazer, de sensação de poder fictício sobre uma mulher muito mais jovem, muito mais bela, muito mais tudo.

Quando volta a colocar os pés na terra, o nosso empresário está falido. Sem cara para enfrentar quem quer que seja, esvazia os cofres da empresa e foge para uma ilha paradisíaca. Sem patrão, a outrora fábrica de penicos de Vilar do Burro em Pé é obrigada a fechar portas, deixando centena e meia de desgraçados na mais desgraçada situação de um dia para o outro. Muitos, vão aprender a viver com o subsídio de desemprego, mas os que nem contrato tinham passam a conviver com todas as dificuldades e mais algumas.

Um mês depois do fecho da malfadada fábrica de penicos, uma ruidosa comitiva de gente importante chega a Vilar do Burro em Pé. É gente importante, bem vemos. Há um enxame de jornalistas por toda a parte, esperando microfones e gravadores nas cataduras dos mais incautos, atropelando meio mundo para exercerem o seu Quarto Poder a troco de 500 euros a recibos verdes. E lá está o presidente da Câmara, engomadinho e limpinho como um bácoro de laço, recebendo, submisso e subserviente, o senhor ministro disto, o doutor ministro daquilo, mais o engenheiro ministro de acolá, todos circundando o mais ministro de todos os ministros, o nosso primeiro-ministro (pode ser o Sócrates, mas pode ser quem quiserem escolher para o papel).

Nesse dia, o mais ministro de todos os ministros anuncia a Vilar do Burro em Pé e a Portugal inteiro que, naquela parvalheira estupidificada, vão ser criados mais 300 postos de trabalho com a construção de uma fábrica de sanitas. Sim, o dobro daqueles que se perderam com o fecho da velha linha de produção de higiénicos penicos. E enquanto os ministros e gentes de renome se empanturram de rissóis, o povo da vila bate palmas e dá pulos de contente, rejubilando com os novos 300 empregos que aí vêm.

(…)

O problema, meus amigos, é que, quando se fecha uma fábrica, as pessoas que nela trabalhavam vão para a rua de um dia para o outro. No entanto, quando se anuncia uma nova fábrica, estamos a falar de um empreendimento que, na melhor das hipóteses, tem já o projecto aprovado. Pegando no exemplo de Vilar do Burro em Pé, os 150 empregos esfumaram-se de um dia para o outro, mas os 300 novos postos de trabalho prometidos pelo Governo, vão demorar muito, muito, muito tempo até serem uma realidade.

Certa vez, lembro-me de estar numa dessas cerimónias de colocação de primeira pedra, onde José Sócrates até dava pulos de contente com a criação de 15 mil novos postos de trabalho e não se fartava de passar manteiga aos espanhóis que iam investir em Portugal. O problema é que esses empregos iriam ser criados ao longo de… DEZ ANOS. Sim, leram bem: dez anos, 120 meses. Toda a encenação em torno de novos anúncios de investimento não passa disso mesmo: de tornar cenograficamente instantânea uma realidade que só será palpável muito tempo depois.

Mas Sócrates continua a apostar nessa coreografia como se não houvesse amanhã. Desta feita, como não tinha uma primeira pedra para colocar, anunciou ao país que Portugal estava na corrida para receber a fábrica europeia de baterias que irão alimentar a primeira geração a sério de carros eléctricos da Nissan. Anuncia-se uma possibilidade, apenas isso. Pode haver emprego, se a Renault-Nissan escolher Portugal para instalar a sua nova fábrica e depois de o projecto estar devidamente realizado e aprovado por todas as entidades competentes, havendo ainda que escolher um terreno para edificar a nova unidade de produção; quando as obras começarem, algumas pessoas ganharão emprego (maioritariamente, trabalhadores da construção civil), mas o grosso da coluna apenas chegará quando a fábrica começar a laborar… o que deve acontecer daqui a bastantes anos (demasiados, para quem espera e desespera por um emprego que lhe permita uma sobrevivência minimamente digna).

Sem comentários: