segunda-feira, 6 de julho de 2009

CHARLIE E A FÁBRICA DE CARTAS (3): O risco


No mundo automóvel, há construtores elitistas e construtores elitistas. Há quem pense que, por conduzir um BMW, acede automaticamente à elite do universo das quatro rodas. Mas há quem tenha um conceito de elite ainda mais restrito e, para esses, há marcas deliciosamente elitistas, como, por exemplo, a Aston Martin. James Bond adora a Aston Martin, essa fábrica de sonhos elitistas, onde o desportivo jamais abdica de uma nota de sublime requinte.

Só que tudo isto é muito bonito… em teoria. Os tempos em que a Aston Martin se podia dar ao luxo de viver unicamente do luxo terminaram no dia em que a marca britânica passou das mãos da Ford (um dos três gigantes da indústria automóvel norte-americana) para a Prodrive de Mr. David Richards. Longe da almofada da Ford, a Aston Martin vê-se agora obrigada a dar lucro, sob pena de, mais ano, menos ano, fechar as portas.

Para poder chegar aos lucros, a elitista Aston Martin opta por uma jogada inacreditavelmente arriscada, mas que pode apontar um caminho para a indústria automóvel do futuro.

A certeza de que o petróleo não é eterno e o medo de uma nova escalada do preço do crude tem sido o maior aliado de um certo sentimento de preservação do planeta, que, cada vez mais, deixa de ser uma moda para passar a ser uma tendência. Um pouco por toda a parte, morre a ideia de que um carro grande e vistoso é o primeiro cartão de visita do nosso suposto status social. Actualmente, as grandes «banheiras» com motores de elevada capacidade e consumos astronómicos começam a ser vistas como um pecado politicamente incorrecto, numa época em que os carros citadinos ganham uma pujança jamais vista nas últimas décadas. Cito, como exemplo, a Fiat, que vai comercializar o novo 500 nos Estados Unidos, onde, curiosamente, este city-car parece ter bastante mercado, justo num país onde a tradição, até há bem pouco tempo, pedia automóveis enormes e gastadores.

É certo que alguns construtores mais elitistas, que tinham o seu core-bussiness nas viaturas acima do segmento D, há muito que pairam pelo universo dos carros citadinos. A Mercedes já tem o seu Smart ForTwo há mais de uma década, do mesmo modo que, há oito anos, a BMW decidiu dar uma nova vida ao Mini. Só que, em ambos os casos, nem a Mercedes, nem a BMW quiseram colocar os seus logótipos nos city-cars que produzem, mesmo que estejamos a falar de modelos destinados a franjas de mercado com algum poder de compra (especialmente no caso do Mini, que não é exactamente barato).

O caso da Aston Martin é, por isso, curioso de se analisar. A marca já mostrou imagens de uma variante de pré-produção do Cygnet, que mais não é do que um city-car com menos de três metros. Para terem bem uma ideia, este Cygnet vai conviver com uma gama de modelos, na qual o modelo mais «baratucho» custa, em Portugal, mais de 162 mil euros (falo do V8 Vantage 4.3), isto numa hipotética versão desprovida de equipamentos opcionais; no extremo oposto, temos o DBS, cujo preço se aproxima dos 320 mil euros (sem quaisquer opcionais).

Mas a loucura não se fica por aqui. Bem sei que não é inédito que a Aston Martin use plataformas de outros construtores. Sei que isso aconteceu com o DB7, que partilhava a mesma base do Jaguar XK. Só que a Jaguar (que, tal como a Aston Martin, integrava o Grupo Ford) é também ela uma marca elitista (embora menos do que a AM) e inglesa. O problema é que o futuro Aston Martin Cygnet vai usar a base do Toyota IQ - sim, de um modelo de grande produção de uma marca generalista… e japonesa. Para os puristas, isto vale um ataque do coração.

A Aston Martin entende que os seus clientes não mais podem conduzir, no dia-a-dia, bombas como o V8 Vantage, o DB9 ou o DBS. Por isso, numa jogada de alto risco, apresenta uma solução (em formato pequeno e ecológico) para quem quiser conduzir um Aston Martin, mesmo no meio do caos infernal das grandes metrópoles.

Não sei que carta é este Cygnet, mas admiro a Aston Martin pela coragem. Se a ideia pega, pode ser uma tendência para um futuro, onde os carros serão mais pequenos, mais ecológicos, menos gastadores e senhores de um aproveitamento absolutamente racional do espaço interior. No fundo, é o conceito “small is beautiful” levado ao extremo, reciclado e transformado em moda para as elites (sim, porque o Cygnet não vai ser nada barato).

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