sexta-feira, 19 de junho de 2009

A MANILHA VAI SECA (29): O largo tacho que exala um doce aroma a poder (e a um Bloco Central cada vez mais vivo)

Não deixem que vos ceguem os olhos da mente.

Como ser democrático que sou, respeito sempre todas as opiniões, mas aqueles que defendem que não vai haver um novo Bloco Central decerto estarão a analisar a questão de um ponto de vista demasiado imediatista. Se nos afastarmos um pouco da lufa-lufa das notícias que caem a cada momento, podemos ter uma perspectiva diferente sobre o assunto, em especial quando nos abstraímos da clubite partidária.

As Eleições Europeias ditaram que não vai haver um Bloco Central? Desenganem-se. A questão continua em cima da mesa, tão fresca e viçosa como antes. Só se evita falar dela para evitar que, sobretudo, o BE continue a engordar à custa dos descontentes (um Bloco Central por antecipação iria levar ainda mais gente ao pensamento de "votar no PS ou no PSD é a mesma coisa, as políticas vão ser exactamente iguais e eu estou farto/a desta gente").

Em primeiro lugar, convém não analisar os resultados das Europeias como se estivéssemos a falar de legislativas. As Europeias elegem 22 eurodeputados através de um círculo único, ao passo que as Legislativas elegem 230 deputados através de 20 círculos eleitorais, sendo os eleitos apurados pelo Método de Hondt (ou D’Hondt, como é vulgar ver-se). Nas Legislativas, a maioria absoluta (que não tem grande sentido nas Europeias) alcança-se com 116 deputados.

Contudo, dá para perceber que há uma nítida tendência de enfraquecimento dos partidos do Bloco Central (PSD e PS) e um engordar das franjas (CDU, BE e CDS-PP). Isto pode levar a que uma aliança entre um partido do Bloco Central com um dos outros possa não atingir a tão desejada maioria absoluta. Ou seja, neste momento, sem termos ainda resultados concretos, é demasiado cedo para falarmos de uma coligação entre PSD e CDS-PP.

Esta perda de influência do Bloco Central e a dispersão de votos perdidos pelo PS por dois partidos (CDU e BE) pode conduzir justamente a uma situação em que o Bloco Central possa ser a única solução de governabilidade. É certo que há sempre o recurso aos entendimentos parlamentares caso a caso, mas, numa situação como a que foi acima descrita, tal poderá obrigar a acordos com dois partidos de cada vez; no caso do PS, tal é bastante mais fácil, mas, no tocante ao PSD, apenas apertando a mão ao PS será possível sair de um impasse, já que o PCP e o BE têm uma natural aversão a aprovar propostas de um Governo liderado por gente que não esteja filiada numa Internacional marxista.

Realço também que, se for Manuela Ferreira Leite a vencer as eleições nas circunstâncias acima descritas, o Bloco Central ganha mais viabilidade, dada a já referida dificuldade em estabelecer acordos com mais do que um partido. Mas somente o resultado das Legislativas poderá dar uma resposta cabal a estas perguntas. Tudo vai depender do número de mandatos obtidos por cada força política.

Os que defendem que Manuela Ferreira Leite e José Sócrates são figuras incompatíveis, podem estar descansados, porque, como já disse anteriormente, o que perder passa a ser carta fora do baralho. Se o PSD não vencer, Pedro Passos Coelho (ou outro qualquer, como Nuno Morais Sarmento) vai mexer este mundo e o outro para a realização de directas e de um novo congresso para destituir Ferreira Leite… isto se Miss Política de Verdade não se demitir entretanto. Na verdade, se o PSD não vencesse as Europeias, certo é que Passos Coelho avançaria imediatamente para a luta pela liderança.

No caso do PS, se Sócrates perder, sendo ele o rosto do Governo, terá de se demitir. Aí, grandes convulsões irão abalar o PS, havendo a forte possibilidade de António Costa (sinceramente, não acredito em Manuel Alegre) acabar como secretário-geral dos socialistas.

Com António Costa ou Pedro Passos Coelho na liderança do partido perdedor, poderá ser bastante mais fácil um entendimento de Bloco Central, até porque ambos são figuras moderadas, sem aqueles grandes radicalismos clubistas que encontramos, por exemplo, num Augusto Santos Silva. No entanto, tudo vai depender de quem for guindado para a liderança do partido perdedor das Legislativas, embora, sinceramente, eu aposte num moderado de visão desenvolvimentista, europeísta, progressista, relativamente jovem (com menos de 60 anos, portanto) e de cunho mezzo neoliberal, mezzo social-democrata.

Por outro lado, um acordo entre socialistas e sociais-democratas vai levar a uma simpática distribuição de tachos que agradará a ambos os lados da contenda. E aí, problemas como o do Provedor de Justiça poderão resolver-se imediatamente com um aperto de mão e um par de sorrisos cínicos.

É o doce aroma do poder, meus amigos.


Nota adicional: Com esta análise, não quero estar aqui a defender ou a criticar um eventual Bloco Central. Também não quero estar a dizer taxativamente que o mesmo irá concretizar-se. Seguindo a política desta mesa de jogo, quero apenas mostrar-vos apenas que, apesar de não se falar deste tema como há algumas semanas, o Bloco Central continua a ser uma realidade. A suposta polarização entre PS e PSD é um mito, alicerçado numa análise imediatista. É sobre isso que preferia que reflectissem. Ainda assim, convém frisar, mais uma vez, que só com o resultado das Legislativas é que a política de alianças poderá finalmente começar a desenhar-se com nitidez. Até lá, tudo são meros cenários… que podem (ou não) passar a ser realidade.

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