segunda-feira, 22 de junho de 2009

CARTAS DO QUINTO NAIPE (2): Tape trading

(O regresso do saudosismo)

Hoje, graças à Internet, muitos já nem fazem uma ideia do que foi, em tempos, o tape-trading.

Para quem não sabe, vou contar-vos como foi.

Nas décadas de 80 e 90, como ainda não existia o YouTube, as bandas de garagem tinham mais dificuldades em divulgar o seu trabalho, ainda que, tal como hoje, o principal canal de exibição fossem os pequenos concertos ao vivo em bares, alguns deles espeluncas inimagináveis. Contudo, havia sempre quem fosse a um desses concertos e ficasse interessado pelo trabalho da banda e quisesse ouvir algo num suporte… físico, digamos.

Nestes tempos, as gravações de demos em estúdio não eram assim tão frequentes e, normalmente, aconteciam numa fase em que a banda, já minimamente solidificada, andava em busca de uma editora que quisesse oferecer-lhe um contrato. Por isso, muitas bandas optavam pela gravação de demos altamente artesanais, que, não raras vezes, eram cassetes com ensaios ou com pequenos concertos ao vivo. Não eram poucas as vezes que estas demos (então chamadas demo-tapes, já que o suporte mais utilizado era a velhinha cassete) apresentavam uma qualidade de gravação de meter medo ao susto.

Por vezes, as bandas chegavam mesmo a vender estas demos por um sistema de mercado paralelo chamado tape trading, o qual funcionava muito à base da confiança. Basicamente, alguém conseguia o endereço de um dos membros da banda e escrevia-lhe uma carta a perguntar como fazer para arranjar uma demo; o tal membro da banda respondia-lhe, dizia que a demo custava x, o fã enviava novamente uma carta, desta feita com dinheiro para pagar a demo e os custos de envio da mesma e recebia, passado uns dias, uma encomenda com a dita cassete.

Hoje, numa época em que todos desconfiamos de todos, este sistema seria impensável, embora alguns nostálgicos ainda o mantenham - por nostalgia pura e dura, sublinhe-se.

Muitas demos acabavam por ser copiadas vezes sem conta, totalmente à revelia da própria banda, que, no entanto, podia criar bases de fãs nos locais mais díspares do Mundo. As próprias bandas ofereciam, muitas vezes, cópias de gravações de ensaios ou concertos (e, por vezes, até mesmo de demos gravadas em estúdio) aos amigos, para que estes as mostrassem a outros amigos, que, por seu turno, iriam gravar (em cassete) essa mesma demo, mostrando a outros amigos, que iriam gravar a demo…

Estão a perceber como tudo funcionava, não estão?

Nas décadas de 80 e 90, quando a Internet não existia ou era ainda escassamente utilizada a nível doméstico, o passa-palavra era fundamental para a afirmação de uma banda. Muitos dos actuais monstros do rock conseguiram afirmar-se desta forma, sendo que algumas demos iniciais de certas bandas devem valer autênticas fortunas para os coleccionadores.

Ao escrever estas linhas, lembrei-me de inúmeras destas demos que me iam mostrando aqui e ali, algumas delas gravações de ensaios de bandas de amigos meus. Hoje, olho para trás e, lembrando-me do entusiasmo com que muitos me mostravam essas demos (onde andam os Arcadian Desires? E os Quest?), fico a pensar que, definitivamente, aqueles eram tempos de um certo romantismo e de grande carolice, fruto daquele sonho que ainda hoje persegue muitos adolescentes em todo o Mundo: ser uma rock star.

1 comentário:

Mountain Goat Productions disse...

Bom post!
Ainda hoje faço "Tape Trading".
Um pouco diferente do que esta aqui mencionado, hoje troco apenas gravacoes de concertos de bandas, os chamados bootlegs.
Por acaso, nao tens por aí na tua antiga coleção nenhuma gravacao de concerto aqui em Portugal ?

Se tiveres diz qualquer coisa, talvez fosse engraçado digitalizar isso. Tenho centenas de gravações, talvez tambem tenho alguma coisa que te interessa, quem sabe.

Podes ver uma pequena parte da minha coleçao aqui

www.liveintape.pt.vu

Diz qualquer coisa ;)
Gostei do blog.
Abraço