sábado, 22 de agosto de 2009

ROYAL STRAIGHT FLUSH (5): Afinal, há vida sem Internet (Crónicas de Ossonoba - Parte I)

Nos dias que correm, dependemos da Internet como dependemos do oxigénio para respirar. Ou talvez não.

A minha recente estadia em Faro (que começo a relatar justamente neste post) fez-me pensar seriamente na artificialidade dessa dependência em relação a certos artefactos tecnológicos que, assim pensamos, se tornaram essenciais no nosso dia-a-dia. À partida para a capital algarvia, quis certificar-me que a tecnologia ficava quase toda para trás, com excepção do telemóvel e do mp3 de um dos ocupantes da casa que iria dar-me abrigo por uma semana. Tudo o mais seria excluído das nossas vidas por uma semana, como se os habitantes daquela moradia pretendessem realizar uma viagem no tempo até a meados da década de 80… ou mesmo antes disso.

Na casa onde fiquei, não existia microondas, pelo que os apreciadores de leite quente (nos quais não me incluo) viram-se obrigados a aquecer o saudável líquido num púcaro de metal. Veio mal algum ao Mundo? Não. Na mesma casa, a televisão tinha somente quatro canais e apresentava-se desprovida de telecomando (sim, é verdade), qual anacronismo esquecido na segunda divisão a contar da porta. Um problema na antena ditou que nem mesmo a esses míseros quatro canais tivéssemos acesso, pelo que muitas noites foram gastas a tagarelar numa deliciosa varanda com vista para um jardim onde o melhor da flora algarvia nos era dado a contemplar. De súbito, tornámo-nos actores dos nossos serões, ao invés de meros espectadores passivos e de ar bovino.

Na pequena moradia algarvia (sim, daqueles com terraço e chaminé típica) havia um aspirador, que útil teria sido para aspirar aquele corredor com onde metros de comprimento. Só que o dito electrodoméstico fez questão de não cooperar, de modo a que pudéssemos redescobrir o som das vassouras a passar pela velha alcatifa beije (sim, ainda há casas com alcatifa).

Ar condicionado? Só no carro. Ventoinha? Não vimos tal coisa. DVD? Nem pensar. Música? Também só há no carro (ou no mp3, enquanto este não perdeu o pio). Máquina de café? Nescafé também é bom. Tostadeira? Sandes sim, tosta mista não, que faz calor.

Porém, o computador foi o elemento mais ferozmente amputado desta semana. Antes de partir, ainda cogitei se deveria ou não guardar o portátil na bagageira, mas, no final, acabei por ceder. Nada de jogos, nada de Internet, nada de nada. O velho livro em papel ainda é, quer queiram, quer não, uma boa maneira de chamar longas horas de sono. E foi assim que, ao lado da almofada, depositei “A Rainha sem nome”, de Maria Gudín, com as suas viagens pela Península Ibérica das invasões visigóticas e suevas. O bom e velho Monopoly também matou muitas horas nocturnas, tornando desnecessário o Hotel (jogo que adoro), o qual acabou por nem sequer sair da caixa.

Senti falta das notícias ao minuto, dos blogues, dos sites que visito regularmente, daquelas doses cavalares de cultura inútil que pesquiso pela noite fora. Senti, confesso. Mas também me senti mais limpo, mais humano, menos electrónico. Senti mais a cidade, a praia, os bares, as caipi black, as pessoas, os cafés, as ruas, as árvores, as flores, o sol, a lua, o mar. Senti-me mais eu. Senti-me mais gente, menos Dr. Mento. Senti.

Afinal, há vida sem Internet. E é uma vida boa, como era a minha vida antes de ter Internet em casa, nos tempos idos das ligações a 56k.

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