sábado, 22 de agosto de 2009

CARTAS DO QUINTO NAIPE (5): O telefone de rodinha (Crónicas de Ossonoba - Parte II)

Como se aperceberam pela leitura do post anterior, a habitação que me deu abrigo em Faro pertence a essa honrosa estirpe de casas antiquadas, paradas no tempo, condenadas à extinção. Se vos disser que a dita moradia não é regularmente habitada desde 1990, facilmente perceberão o porquê de tantos e tantos anacronismos perdidos naqueles 75 metros quadrados.

Mas, entre todos os anacronismos, há um em particular que me merece um post isolado. Refiro-me ao delicioso telefone de rodinha, daqueles que remonta aos tempos dos TLP e da época em que os números de telefone farenses tinham apenas cinco algarismos (mais o indicativo 089, para quem ligava de fora da região). Conheço casas onde ainda os há e esta é uma delas.

O som da campainha, metálico, argentino, repleto de nostalgia. É um som forte, alto, potente e inconfundível. É o som de um objecto que se dizia importante e que, nos primórdios da década de 90, ainda não se encontrava em todos os lares portugueses. Hoje, há telefones em todos os bolsos.

A rodinha. De plástico, com o número escrito num papel ao centro. Torna-se desconfortável quando temos de telefonar para várias pessoas numa mesma tarde (por exemplo, na véspera de Natal). Sempre que marcamos um algarismo, brinda-nos com o seu repetitivo “trec-trec”, som que nos relembra de quão importante foi, um dia, o acto de telefonar. Hoje, na banalidade, telefonamos apenas porque sim, sem som.

O “ting”. Som argentino, potente, que ecoa pelo corredor. Diz-nos que terminou, que findou. Mais uma conversa que termina, mais uma chamada que se apaga.

Há muito, muito, muito tempo, os telefones ainda não cabiam no bolso. Eram fixos, estáticos, criteriosamente posicionados num local da casa onde todos tivéssemos acesso fácil e rápido. Não ligávamos para x, ligávamos para casa de x e perguntávamos por ele/ela. Falávamos apenas e só escrevíamos em papel.

O telefone de rodinha lembra-nos a nós, mortais, quão importante já foi o acto de comunicar. Hoje, banalizou-se, ao ponto de me apetecer falar do assunto e, num ápice, o comunicar a todos vós. Sem ruído, de preferência.

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