sexta-feira, 7 de agosto de 2009

CHARLIE E A FÁBRICA DE CARTAS (4): Breve reflexão sobre os dias de indefinição da imprensa tradicional (texto sem fórmulas milagrosas)

Robert Murdoch, o patrão da Media Corp, acredita que os dias das notícias grátis na Internet têm, definitivamente, os dias contados. “O jornalismo de qualidade não é barato. Uma indústria que oferece o seu conteúdo está apenas a canibalizar a capacidade para fazer boa cobertura jornalística”, disse o homem que controla títulos como o The Times, o The Sun, o The New York Post e o Wall Street Journal.

Em parte, Murdoch tem razão, mas a aplicação prática é mais difícil do que se pensa. É verdade que a Internet, aliada aos canais televisivos exclusivamente dedicados à cobertura noticiosa (que, de certa forma, são pagos, já que é necessário ter televisão por cabo para ter acesso a eles), criaram um fluxo de notícias constante e gratuito, o qual contribuiu para a perda de leitores dos jornais em papel. Com menos leitores, os jornais tradicionais vêem-se numa situação de aperto e despedem jornalistas (em Portugal, este fenómeno atinge dimensões escandalosas), sendo que os profissionais que ficam a aguentar o barco têm de fazer a mesma edição com menos meios, o que leva a que se realizem menos trabalhos próprios e se opte mais por ir buscar textos à agência Lusa; como as edições/jornais digitais já disponibilizam os textos da Lusa de graça (apesar de pagarem por eles), as pessoas sentem-se ainda menos inclinadas para pagar por um jornal que, na verdade, oferece as mesmas notícias que se podem ler de graça na Internet. E o fenómeno assume contornos de bola de neve a descer pela rampa abaixo.

Percebo a preocupação de Murdoch, que, acima de tudo, quer fazer com que o jornalismo de qualidade esteja salvaguardado. Faz ele muito bem, porque um jornalismo de qualidade é também sinónimo de liberdade. O problema está a pôr as pessoas a pagar por algo a que tinham acesso gratuitamente. Na indústria discográfica vive um fenómeno idêntico e, até agora, ninguém conseguiu arranjar uma solução para um problema que tem levado a que a presente década (especialmente, na segunda metade da mesma) tenha sido particularmente pobre em termos de lançamentos e do surgimento de novas correntes musicais.

Basicamente, esta ideia da Media Corp terá sucesso se TODOS seguirem o seu exemplo. A partir do momento em que a informação passa a ser paga em todas as fontes, os leitores não têm outra hipótese a não ser abrir os cordões à bolsa. Mas é preciso, neste contexto, ter atenção ao papel da blogosfera, onde há inúmeros jornalistas em acção, que podem utilizar os seus blogues como produtores de conteúdos gratuitos. Se pensarmos que muitos bloguistas trabalham para jornais e têm acesso a fontes e materiais destes (designadamente, o acesso a agências noticiosas pagas), podemos imaginar os blogues como substitutos futuros das edições online. Se olharem para a lista do lado, encontram mesmo alguns exemplos que até se enquadram nestes moldes.

Basicamente, o que deveria ser feito neste caso, seria uma acção de sensibilização dos consumidores, algo que não existiu na indústria discográfica. Se as grandes editoras tivessem sensibilizado as pessoas para a necessidade de estas contribuírem para a manutenção financeira das bandas, muitos artistas não estariam agora a passar um mau bocado, evitando novos lançamentos como o diabo evita a cruz. Todavia, neste momento, torna-se difícil sensibilizar toda uma geração que viu a sua vida facilitada, tendo acesso a músicas e álbuns inteiros sem ter de pagar um tostão e sem ter de se dar ao trabalho de ir a uma loja comprar um CD.

Com os jornais, passa-se algo semelhante. Se as pessoas estiverem consciencializadas para a necessidade de terem de contribuir por uma informação de qualidade (um garante de liberdade nos mais diversos sentidos), pode ser que a imprensa tradicional se salve.

Mas este não é o único caminho a seguir. Outra alternativa passa pela transformação dos jornais pagos em gratuitos, que, mantendo a qualidade, passariam a obter as suas receitas apenas através da publicidade. No caso português, tal será mais simples a partir do momento em que a publicidade institucional deixe de ser obrigatoriamente publicada em jornais pagos - o executivo de José Sócrates deu algumas indicações nesse sentido, falando-se mesmo de um portal estatal para agregar toda essa publicidade. Sem anúncios institucionais, alguns jornais em papel vão ter de se virar para outros caminhos. Porém, este é um processo que não se afigura nada simples, especialmente durante um período de retracção do mercado publicitário, que, por ora, será incapaz de cobrir as receitas perdidas com a eventual disponibilização gratuita dos jornais.

Tudo isto para chegarmos a uma só conclusão: a imprensa tradicional vai sofrer enormes mudanças nos anos vindouros. Há muitos caminhos possíveis e nenhum parece ser um garante de sucesso, o que deixa adivinhar, neste entretanto, a extinção de alguns títulos tradicionais na praça. Mas algo vai ter de mudar e até pode ser que o caminho apontado por Robert Murdoch seja o mais acertado. Se eu soubesse qual a fórmula de sucesso, garanto-vos que já me tinha atrevido a aplicá-la, mas isso esse é um segredo que só os deuses conhecem.

Esperemos para ver.

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