quarta-feira, 6 de maio de 2009

DOIS DE PAUS (1): Sergio Marchionne

Neste preciso momento, o actual patrão da Fiat, Sergio Marchionne, deverá estar a contemplar a sua própria figura no espelho, repetindo, vezes sem conta, a mesma frase para o seu reflexo: “Tu és um génio, o melhor gestor do planeta, do Universo”!

Sucede que o Dr. Mento também está atento ao que se passa e, ao invés de atribuir um prémio de gestão ao dito senhor, decidiu ofertar-lhe a mais vil e reles distinção que um homem ou mulher poderá receber: o DOIS DE PAUS.

Tecnicamente, Sergio Marchionne aproveitou-se da crise do sector automóvel para fazer uns quantos bons negócios, os quais, assim pensará ele, serão essenciais para fazer da Fiat o principal gigante da indústria automóvel dentro de uns quantos anos. Ao mesmo tempo que a Chrysler (que junta as marcas Chrysler, Jeep e Dodge) anunciava que iria entrar num processo de falência controlada, a Fiat estabelecia um acordo de compra de parte do capital deste gigante de Detroit.
O acordo entre Fiat e Chrysler há muito que era conhecido, bem como os termos do mesmo: Os italianos passam a utilizar as fábricas e as redes de retalho da Chrysler nos Estados Unidos e México, ao passo que os norte-americanos passam a ter acesso a plataformas e motorizações de segmentos mais baixos do que aqueles onde, por norma, a Chrysler e a Dodge concorrem.

Sucede que Sergio Marchionne decidiu que a fusão com a Chrysler não seria suficiente e decidiu também aproveitar as dificuldades de outro gigante de Detroit, a General Motors, para fazer bons negócios. Uma vez que a GM está mortinha por se ver livre do maior número possível de marcas, a Fiat aproveitou para comprar a GM Europe, o que significa que a Opel e a Vauxhall passam para as mãos dos italianos. Para finalizar, segue-se a compra da Saab, emblema que a General Motors jamais soube aproveitar convenientemente e que, neste momento, deve estar à venda por dois tostões.

Com esta política de compras, forma-se o segundo maior grupo automóvel do Mundo, que inclui as seguintes marcas: Fiat, Lancia, Alfa Romeo, Maserati, Ferrari, Chrysler, Dodge, Jeep, Opel, Vauxhall e Saab.

Contudo, nem tudo são rosas neste negócio. Anteriormente, Sergio Marchionne já havia dito ao Financial Times que a partilha de tecnologias e plataformas entre Fiat e Opel poderia dar origem a uma poupança anual na ordem de um bilião de euros. Só que, de acordo com o Frankfurter Allegemeine Zeitung, esta poupança poderá também ser feita à custa de despedimentos. A proposta da Fiat ao governo alemão para compra da Opel referia que nenhuma das quatro fábricas alemãs da marca fundada por Adam Opel seria fechada.


Sucede que Sergio Marchionne quer eliminar 18 mil postos de trabalho e encerrar, total ou parcialmente, 10 linhas de montagem na Europa. Citando um documento altamente confidencial, o Frankfurter Allegemeine Zeitung revela que a Fiat e a Opel deverão, juntas, ter 108 mil efectivos, número que poderá sofrer uma redução de 16,6 por cento, especialmente através do fecho das fábricas da Vauxhall (a filial britânica da GM Europe) e em Itália. Mesmo na Alemanha, as fábricas sofrerão algumas reduções de pessoal, de molde a que, segundo o CEO da Fiat, fiquem mais produtivas.

Se a Saab integrar o novo grupo, não será necessário fazer grandes despedimentos, já que, antes de vender a marca, a administração optou por torná-la mais apelativa, cortando 700 postos de trabalho.

Com que então é despedindo que se ganha em produtividade, sr. Sergio Marchionne…

Quando se analisa a produtividade apenas através da relação custos/lucros, é meio caminho andado para um fiasco completo. Há vários factores que não são levados em conta e que poderão ter consequências altamente negativas no futuro.

Em primeiro lugar, ao eliminar 18 mil postos de trabalho, o novo grupo da Fiat está a eliminar 18 mil potenciais compradores dos seus automóveis, já que os novos desempregados, mesmo quando tiverem condições para tal, não quererão ajudar aos lucros da empresa que os traiu e lhes deu um chuto no rabo.

Em segundo lugar, as violentas reduções nas fábricas de Itália e da Grã-Bretanha deverão ser acompanhadas de igual fenómeno nas vendas. Em Portugal, quando a Renault tinha uma forte presença industrial em Portugal (especialmente em Setúbal), as vendas da marca do losango rondavam 40 por cento do mercado; hoje, tais valores não só não são possíveis, como, em certos momentos, a Renault chegou mesmo a ser arredada do primeiro lugar do ranking nacional (às vezes, até do pódio). Ora, o caso da Renault deu-se num mercado pequeno. Se a Fiat fechar mesmo a fábrica da Vauxhall, as vendas da «Opel inglesa» vão cair a pique… e logo num mercado enorme. Em Itália, se os despedimentos forem demasiado violentos, os consumidores poderão também penalizar o maior grupo automóvel do País, justo no seu mercado mais importante.

Em terceiro lugar, a redução de 18 mil efectivos pode ter consequências mais graves ao nível da produtividade. É verdade que muitas linhas de montagem poderão produzir as mesmas unidades com muito menos gente, mas não é preciso ser mágico para adivinhar que muitos dos cortes serão, justamente, no controlo de qualidade. Ora, sucede que a Opel tem sofrido, nos últimos anos, um forte revés na sua imagem devido a uma quebra acentuada na qualidade, que, por seu turno, nunca foi o ponto forte das marcas italianas. Se a qualidade cair, a imagem da Opel, da Fiat, da Lancia e da Alfa Romeo poderá cair nas ruas da amargura, onde, aliás, já esteve em tempos (pelo menos, no caso dos emblemas italianos).

De súbito, o cenário da criação de um mega grupo automóvel parece bem menos animador. Quando se analisa uma questão por outros prismas, surgem-nos sempre respostas inesperadas, que parecem desmentir verdades que tínhamos como certas.

Nota adicional: Esqueci-me de referir um quarto aspecto, que nada tem a ver com negócios, mas sim com moral pura e dura. Tirar o sustento a 18 mil pessoas é um acto condenável do ponto de vista moral e que revela bem o tipo de pessoa que será o CEO da Fiat. Ainda por cima, nem sequer estamos a falar de 18 mil despedimentos para salvar os restantes 90 mil empregos - é mesmo despedir por ganância pura e dura.

1 comentário:

SILÊNCIO CULPADO disse...

Dr.Mento


Brilhante a sua análise. Uma amiga minha dizia-me que todos os muito ricos guardavam esqueletos no armário. Efectivamente quando se procura ser um potentado sem se importar de fazer sangue até um dois de paus é muito.


Abraço