Confesso que escrevi o post anterior de madrugada, numa altura em que o meu cérebro pouco prodigioso trabalhava já aos solavancos. Aliás, este vício noctívago meu é um mal de que padecem muitos textos, que acabam por apresentar erros e gralhas de palmatória (o sono é inimigo da perfeição).
Sucede que, no post anterior, não referi um dos aspectos mais marcantes da insegurança de Sócrates.
Quando entrou para a Assembleia da República, o actual primeiro-ministro era apenas um engenheiro técnico. Ou seja, era um humilde bacharel em engenharia, num hemiciclo onde licenciados, mestres e doutores predominam.
Homens como Jerónimo de Sousa (que não tem estudos superiores) ou Manuel Monteiro (que liderou o CDS numa época em que ainda não tinha concluído a licenciatura) jamais se importaram de integrar a elite dos 230 sem terem um diploma bonito para pendurar na parede. Mas Sócrates, mesmo tendo estudos superiores (o bacharelato é o mais pequeno grau académico), sentiu sempre essa insegurança de não ter a licenciatura. Por ser engenheiro técnico, era chamado pelos seus pares de “engenheiro”, quando, na verdade, não estava inscrito na Ordem - aliás, com tal bacharelato, não podia estar inscrito.
Isto explica o que terá levado José Sócrates, já membro do Governo de António Guterres, a tentar arranjar uma licenciatura em engenharia. A qualquer custo e pelas vias mais sinuosas. Conseguiu o diploma, é certo, mas a sua licenciatura tirada à pressa acabou por lhe custar demasiado caro em termos de reputação. Foi a primeira grande ferida na sua honra pessoal (se é que ele dá importância a isso), que deixou uma cicatriz profunda nos seus medos e inseguranças.
A partir deste episódio, Sócrates (apoiado pelo seu fiel Augusto Santos Silva) desencadeou um conjunto de perseguições aos jornalistas, responsabilizando-os, instintivamente, por uma mancha enorme na sua honra.
Conheço algumas pessoas que desempenham cargos de grande responsabilidade sem terem uma licenciatura. Em muitas delas, reconheço este tipo de comportamento, fruto de recalcamentos, estigmas (especialmente o de não ter a licenciatura) e de inseguranças escondidas nos locais mais recônditos da alma humana.
Certa vez, o antropólogo Pedro Prista disse, em plena aula, algo como isto: “A alma humana está cheia de tempestades, abismos e contradições”.
Sócrates, homem inteligente e vivo, está cheio de tempestades, abismos e contradições.
Mas não seremos todos nós um pouco como Sócrates?
Domingo
Há 1 hora
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