No dia 18 de Maio, publiquei um post onde alertava para uma prática, comum em muitas empresas, de pôr os trabalhadores a fugir pela porta das traseiras sempre que a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) aparecia para fazer uma inspecção. Na época, alertei com base na minha própria experiência: “Quem foge da ACT, foge do cumprimento da lei, mas, sobretudo, dos seus próprios direitos”.
Nesse mesmo post, relatei uma história (que até conheço melhor do que dei a entender na época): “No centenário O Primeiro de Janeiro, ilustre matutino portuense, a prática de fugir à ACT era mais do que comum, o que dava à entidade empregadora, a Sédico, o direito de cometer todas as arbitrariedades possíveis e imaginárias (muitas delas foram já tornadas públicas). Um dia, quando a carteira minguou, o patrão da Sédico e d’ O Primeiro de Janeiro, Eduardo de Oliveira Costa, montou uma estratégia de despedimento colectivo e completamente ilegal de 34 trabalhadores do célebre matutino, alegando que ia suspender a publicação do jornal por um mês… o que, como se sabe, não veio a acontecer. De um momento para o outro, 34 pessoas ficaram sem emprego, com salários em atraso, sem indemnizações, sem subsídios de férias e de Natal… basicamente, ficaram sem nada. Quando recorreram à justiça, a insolvência da Sédico acabou por ser decretada judicialmente, mas a empresa anteriormente detentora d’ O Primeiro de Janeiro não tinha quaisquer bens - nem sequer o próprio título, que havia sido previamente «trespassado» para outra empresa do grupo A Folha Cultural”.
O episódio do despedimento colectivo, feito à margem de todas as leis, de 34 jornalistas d’ O Primeiro de Janeiro teve lugar a 31 de Julho de 2008.
Ontem, dia 8 de Julho de 2009, um comunicado do Sindicato dos Jornalistas dava conta da situação dos que ficaram a fazer o ilustre matutino portuense (uma redacção que mescla elementos do suplemento O Norte Desportivo, no Porto, com a redacção do Notícias da Manhã, em Lisboa). De acordo com o SJ, no Janeiro, os cinco jornalistas que lá trabalham têm já três meses de salários em atraso; ao que pude apurar por conta própria, neste último ano, vários foram já os que bateram com a porta, mas os que ficam, fazem-no porque, no Porto, é cada vez mais difícil exercer a profissão de jornalista e ali, ao menos, ainda podem fazê-lo, embora em condições desumanas.
O mesmo comunicado do Sindicato dos Jornalistas alerta para a situação no Motor, semanário onde há gente com oito meses de salários em atraso. O SJ não especifica se são colaboradores externos ou membros efectivos da redacção, mas confesso que me custa a acreditar nestes oito meses (as minhas fontes não me mencionaram o caso deste jornal, do qual, em tempos idos, fui grande fã). Contudo, não me espantava nada se fosse verdade.
Isto é o que se passa na redacção do Porto, mas o Sindicato dos Jornalistas nada diz sobre dois outros títulos do grupo A Folha Cultural onde a situação não é exactamente melhor. No Fundão, no Diário XXI, trabalha-se igualmente com três meses de salários em atraso e o senhorio que arrendou as instalações onde funciona o jornal há muito tempo que não mete as mãos nos cheques correspondentes às rendas devidas. Em Lisboa, no Notícias da Manhã (onde funciona parte da redacção d’ O Primeiro de Janeiro), as duas jornalistas sobreviventes (sim, duas) não recebem há quatro meses, ao passo que o senhorio também está há quatro meses sem ver o dinheiro referente ao arrendamento; para cúmulo do ridículo, nesta redacção, a casa-de-banho foi desactivada por falta de pagamento à EPUL (sim, é isso mesmo, a água foi cortada).
Ao tomar conhecimento dos dois primeiros casos, o Sindicato dos Jornalistas lançou um apelo à ACT no sentido de intervir imediatamente. Ou seja, os que antes fugiram da ACT, agora correm para ela.
Por isso, finalizo este post repetindo a frase que rematava o post de 18 de Maio: “Não fujam da ACT, ela é vossa amiga”.
A Frase (302)
Há 5 horas
4 comentários:
Seria bom dar nomes aos bois, senão comemos todos pela mesma medida e alguns de nós não gostam de serem confundidos. Trabalhei uns anos no Janeiro, e da ÚNICA vez que a ACT lá foi, estava no café a lanchar e fui a correr lá para dentro, mas não me receberam porque tinham já muita informação. Foi uns anos antes do fecho do ano passado, e não me lembro de terem feito alguma coisa com essa informação que tinham recolhido.
Filinto, não se trata de uma crítica destinada a A ou a B, mas sim a um comportamento que existe em muitas empresas. Se optaste por ir ter com a inspecção, louvo a tua atitude, mas saberás que há pessoas, em muitas empresas (inclusivamente, naquela onde trabalhaste, segundo apurei), que fugiam pela porta do cavalo.
Quanto à ineficácia da ACT, estamos a falar de uma outra vertente do mesmo tema, especialmente dolorosa para os 30 e tal despedidos do dia 31 de Julho, que sentiran na pele uma certa importência da autoridade reguladora das condições do trabalho.
Mas, já que falas nisso, deste-me uma boa ideia para novo post.
Duas notas adicionais para o Filinto:
Peço desculpa por ter confundido as inspecções da ACT na redacção do Janeiro com outras que surgiram noutras empresas/sectores/sei-lá-mais-o-quê do grupo a que pertence o Janeiro. Para quem está de fora, torna-se difícil perceber que empresas existem ou não existem naquele grupo. Mas tenho a certeza (e já confimei isso) que outros sectores/empresas/sei-lá-mais-o-quê do grupo apanharam com visitas da ACT (e mais do que uma vez).
Uma segunda nota para, por esta via, deixar uma palavra de solidariedade a todos os que, no Janeiro e outras empresas do mesmo grupo, continuam a ver os seus direitos laborais sistematicamente violados.
E espero que o Filinto (que não conheço senão de nome e de ler o blogue dele) não tenha levado a mal os meus posts sobre o caso do Janeiro. Os mesmos não representam um dedo acusador para mais ninguém, a não ser aqueles que fogem do cumprimento do que está no Código do Trabalho.
Não levei a mal, mas quem não se sente não é filho de boa gente ;-)
Essa confusão entre as empresas é perfeitamente normal, aliás, o esquema foi todo montado nesse sentido. O problema é que parece que ainda funciona e que continua (ontem veio a notícia dos salários em atraso, um ano depois...)
Às vezes, os que fogem pela porta dos fundos deviam ser nomeados, a ver se ganhavam vergonha.
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