Numa empresa em queda livre, há quem entenda que todos os expedientes são válidos para manter o barco à tona. Um dos expedientes mais comuns é, infelizmente, o dos salários em atraso, uma solução que gera inúmeros problemas ao trabalhador, que, para além de não ter como cumprir as suas obrigações mensais (as contas da água, da luz, dos seguros, dos empréstimos para a casa e carro, entre outros), vê-se numa situação em que continua a ter de arcar com as despesas normais para ir trabalhar (transportes, combustíveis ou refeições, por exemplo), mas sem ver um chavo por um período de tempo indeterminado.
Como é óbvio, o Código do Trabalho prevê este tipo de situações e determina que, “quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias sobre a data do vencimento, o trabalhador, independentemente de ter comunicado a suspensão do contrato de trabalho, pode resolver o contrato”. De acordo com a Lei 35/2004 de 29 de Julho (Regulamentação do Código do Trabalho), o trabalhador nesta situação tem direito, entre outras coisas, à respectiva indemnização e ao subsídio de desemprego.
Até aqui, nada de mais. Se o trabalhador tem três meses de salários em atraso (os tais 60 de atraso sobre a data de vencimento), rescinde unilateralmente o seu contrato e vai à sua vida, sem perder os direitos que teria se fosse a entidade patronal a rescindir.
O problema é que, em casos como este, há sempre aqueles que optam por ficar a aguentar o barco, mesmo tendo a lei do seu lado (conheço vários casos assim, sendo que eu próprio já me encontrei, a dada altura, numa situação destas).
As razões que levam alguns trabalhadores a continuar a trabalhar mesmo sem ordenados são muitas. Em primeiro lugar, conheço quem sinta pavor perante a mudança, diante desse desconhecido que é a condição de desempregado. Mas há também quem fique por não querer ficar desocupado em casa, mesmo com algum dinheiro no bolso (do subsídio de desemprego, entenda-se). Haverá quem rejeite a rescisão pela vergonha social de perder o emprego, que, cada vez mais, se confunde com o próprio indivíduo em si. Há os que se mantêm para finalizar um estágio, totalmente obrigatório em certas categorias profissionais. Mas, sobretudo, os que ficam, fazem-no sempre tendo em mente a esperança de que se trata apenas de uma fase passageira e que as coisas poderão melhorar no futuro.
Esta boa-fé (e esperança) dos resistentes é, muitas vezes, instrumentalizada pelo patronato, que, em tempos de crise, vê aqui uma janela de oportunidades para poder reduzir despesas (com os ordenados que deixaram de ser pagos) e continuar a ter o trabalho feito, o qual, em princípio, gerará sempre algum lucro. Quando tal acontece, os atrasos de um mês passam a atrasos de dois meses e, rapidamente, crescem para três, quatro, cinco, seis meses. Nestas alturas, há até empresas que conseguem apresentar serviços a preços inacreditavelmente competitivos, já que a mão-de-obra não tem, na prática, qualquer custo com remunerações (embora os trabalhadores acreditem que sim).
Sei, por experiência própria, qual o desfecho destas histórias de atrasos sucessivos no pagamento de remunerações: No final (provavelmente, no momento em que for decretada a falência ou fecho da empresa), os trabalhadores perceberão que foram ludibriados e ficarão a arder com largas somas em dinheiro. E assim há alguns que se aproveitam da boa-fé de outros, para, em nome da crise, fazerem mais algum lucro.
Enquanto as entidades fiscalizadoras não tiverem mão pesada para situações como a que acabei de descrever, continuaremos a assistir a sucessivos atropelos aos direitos dos trabalhadores e ao próprio Código do Trabalho. E, uma vez mais, faço questão de frisar: As fugas ao Código do Trabalho, mais do que meras questões laborais, constituem também um problema de cidadania, de liberdades e direitos dos cidadãos.
Mensagem Das Brunas
Há 8 horas
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