Afinal, a reedição do Bloco Central é ou não uma invenção de jornalistas ávidos de novidades que não existem?
Bem, enquanto as Eleições Legislativas não se realizarem, podemos dizer, com toda a certeza, que o Bloco Central é um tema tabu para PS e PSD. Isto porque o objectivo primeiro de ambos os partidos será vencer as Legislativas, de preferência com uma maioria absoluta que permita ao próximo Governo levar a cabo um conjunto de reformas e intervenções na economia e sociedade, de molde a fazer com que Portugal se levante do pântano em que mergulhou.
Nada mais simples do que isto.
Porém, se PS ou PSD vencerem as Legislativas com maioria relativa, há que equacionar todos os cenários possíveis e um deles será o Bloco Central. Não, não estou a falar de pactos de regime para matérias específicas (o PSD de Luís Marques Mendes estabeleceu alguns com o PS, apesar de este último estar em situação maioritária no Parlamento). Estou mesmo a falar de um Governo de coligação, com membros de ambos os partidos em pastas de relevo. Foi o que aconteceu entre 1983 e 1985.
Mas… como?
Como é lógico, no PS, ninguém admite publicamente tal solução. No PSD, é um tema mal visto, já que, como referi num post anterior, todo o blá blá blá em torno do Bloco Central é apenas uma estratégia dos socialistas de molde a rebipolarizar a vida política portuguesa, evitando assim que muitos votos saiam do PS para o Bloco de Esquerda. Se a Assembleia da República estiver verdadeiramente bipolarizada entre PS e PSD, o partido que tiver mais votos tem a maioria absoluta e ponto final parágrafo.
Porém, dado que essa rebipolarização é um cenário difícil de concretizar (noutro post, explico-vos porquê), certo é que a possibilidade de o próximo Governo (que até pode ser do PSD, que tem vindo a recuperar bastante bem nas sondagens) é mais do que real. Por isso, quando chegar a hora da verdade, todos os cenários terão de ser muito bem equacionados. Podemos ter um Governo - do PS ou do PSD - minoritário, como podemos muito bem vir a ter uma coligação. Dada a intransigência da CDU e do Bloco de Esquerda e a extrema fraqueza do CDS-PP, é bem possível que uma união entre os dois partidos do centro seja a única alternativa viável em caso de coligação.
Muitas figuras de ambos os lados desdobram-se em desmentidos aos jornalistas, afirmando e reafirmando que as diferenças ideológicas entre José Sócrates e Manuela Ferreira Leite impedem qualquer possível enlace. OK, há diferenças entre ambos… mas são diferenças mais aparentes do que reais.
Diz-nos José Pacheco Pereira, um dos maiores críticos do disse-que-disse em torno do Bloco Central: “O actual PSD fornece aos eleitores aquilo que muitas vezes não existiu no passado: um programa alternativo face à ‘crise’. Os actuais defensores do Bloco Central ignoram que, poucas vezes como hoje, existe alternância de posições”.
Isto dito por um ferreiraleitista, que, às vezes, parece mais ferreiraleitista do que a própria Manuela Ferreira Leite. Como é óbvio, o patrão do Abrupto (de onde, de resto, retirei a citação acima mencionada) quer é ver o PSD a vencer as eleições e José Sócrates (pelo qual não esconde um asco profundo) fora do Governo.
E o que tem a dizer a própria Manuela Ferreira Leite sobre este assunto? Peguemos então numa frase da recente entrevista da líder do PSD ao «i»: “O meu modelo é não apostar mais na despesa pública, o que inclui investimento e consumo público, mas no sector privado: exportações e investimento privado, interno ou externo. É um modelo completamente diferente”.
Tudo bem, parece-me um modelo diferente. A questão-chave está em saber como é que Manuela Ferreira Leite vai apostar no sector privado, em especial nas suas «queridas» pequenas e médias empresas (que a própria gosta de designar por “piquenas e média empresas”). Por outro lado, o PS, através do programa de obras e investimentos públicos, também está a apoiar o sector privado e, muitas vezes, as PME, embora, regra geral, não fomente as exportações. Seja como for, não me parece que haja aqui uma grande divergência de ideias, pelo menos ao ponto de inviabilizar um aperto de mão.
Noutro contexto, Manuela Ferreira Leite diz o seguinte: “A solidariedade social, apoiar os mais desprotegidos, a procura de uma política em que esteja mais presente, cada vez mais presente, a justiça social”. Sócrates adora estes chavões e farta-se de ir à Assembleia da República (por norma, nos debates quinzenais) para ir anunciar mais umas benesses para “apoiar os mais desprotegidos” com vista a ter, “cada vez mais presente, a justiça social”. Neste ponto, tudo igual.
Todavia, a pergunta mais interessante diz respeito à passagem de Manuela Ferreira Leite pelo Governo PSD/CDS-PP liderado por um tal José Manuel Durão Barroso. O que faria a actual líder «laranja» se pudesse regressar a esses anos de 2002, 2003 e 2004? “Exactamente o mesmo. Estou absolutamente convicta de que aquilo que propusemos era o que o País precisava. E que o governo socialista veio, aliás, confirmar. Não há ninguém que diga que a política que estava a ser seguida era incorrecta”.
Muito tempo antes desta entrevista, Manuela Ferreira Leite chegou a afirmar que, sem esta onda de investimento/despesismo público, seria possível baixar impostos. Na altura, tal como agora, MFL criticou acerrimamente a construção do novo Aeroporto Internacional de Lisboa e da linha ferroviária de alta velocidade.
Ora, sucede que Miss Política de Verdade pertenceu a um Governo, que, curiosamente, na XIX Cimeira Luso-Espanhola, realizada na Figueira da Foz nos dias 7 e 8 de Novembro, assinou um curioso memorando com o Executivo espanhol: “Considerando a excepcional importância sócio-económica para os dois Países de uma rede ferroviária de alta velocidade ibérica coerente que, integrada nas Redes Transeuropeias, permita o máximo desenvolvimento das várias regiões abrangidas, Portugal e Espanha acordam na viabilização conjunta das ligações transfronteiriças nos seguintes termos: Serão estabelecidas e consideradas 4 (quatro) ligações para a materialização dos corredores: Porto-Vigo, Aveiro-Salamanca, Lisboa-Madrid e Faro-Huelva.”
Na verdade, o Governo de Durão Barroso, mesmo em anos de aperto de cinto por causa do défice das finanças públicas, fez questão de dar seguimento à linha-férrea de alta velocidade e, claro está, ao aeroporto de Lisboa, sendo que há uma óbvia interligação entre estas duas infra-estruturas, cuja definição terá de ser feita em conjunto (aliás, o mesmo acontece, por exemplo, com a terceira travessia sobre o Rio Tejo em Lisboa). E Manuela Ferreira Leite pertenceu a este Governo. E não se arrepende de nada que tenha feito (e deduzo que um mega-investimento desta ordem tenha tido o aval da tutela das Finanças).
Também foi justamente neste Governo que houve um então candidato a primeiro-ministro, que, antes das Legislativas de 2002, prometeu uma descida de impostos. Mal se apanhou no poder, José Manuel Durão Barroso, através da sua ministra das Finanças (sabem quem era?), anunciou logo uma subida do IVA de 17 para 19 por cento. Na verdade, três anos depois, um tal José Sócrates disse que não iria subir impostos e… pois, foi o que foi.
Em ambos os casos de subida do IVA que acabei de mencionar, a justificação foi sempre a mesma: o défice das finanças públicas deixado pelo Governo anterior a tal obrigou. Actualmente, o défice vai em 5,9 por cento e estou mesmo a ver onde é que isto vai dar.
Findo este longo texto, só tenho a dizer: os programas de Manuela Ferreira Leite e José Sócrates só são inconciliáveis na questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, um tema no qual, aliás, o actual primeiro-ministro não tem insistido muito nos últimos tempos (se calhar, porque é mesmo uma ideia para deixar cair). Contudo, no campo da actuação global em termos económicos, não estou a ver diferenças inconciliáveis.
Além do mais, embora Ferreira Leite e Sócrates tenham feitios difíceis de conjugar, um novo Bloco Central não necessita, obrigatoriamente, de contar com ambos. Mas isso é matéria para um post futuro.
Belles toujours
Há 1 hora
1 comentário:
Mais uma vez se aplica a regra: nenhum post pode ficar sem pontos.
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