Ler a obra de Jane Austen representa uma viagem até um dos maiores medos femininos da Inglaterra pré-vitoriana: o de ficar solteirona. Sim, porque naqueles anos (Jane Austen viveu entre 1775 e 1817), o destino único da mulher era o casamento e toda a jovem que atingisse a barreira dos 30 anos sem «dar o nó», ganhava imediatamente o rótulo de «solteirona».
Na classe operária, tal estigma não seria particularmente doloroso (na Grã-Bretanha da Revolução Industrial, o operariado tinha grandes semelhanças a uma massa escravizada, como, mais tarde, denunciou Karl Marx), mas, da pequena burguesia para cima, ser-se solteirona era ser-se uma mulher sem préstimos, sem qualidades, sem qualquer razão para viver. Na verdade, a mulher era vista, neste contexto, como uma boa forma de o «pai de família» poder protagonizar um trajecto de ascensão social (se a filha casasse com alguém de uma classe superior) ou como modo de poder injectar algum dinheiro na arruinada casa (são muitos os exemplos de casas da pequena nobreza que, ao atingirem a ruína, optavam por um enlace de um filho com uma pequena oriunda de uma burguesia endinheirada, embora desprovida de brasão).
Curiosamente, este pensamento vingou numa época em que o romantismo colocou o amor em primeiro plano. Contudo, para muitas jovens, esta exaltação do romantismo existia tão-somente na literatura da época, que acabava por se tornar numa espécie de escape da dura realidade (e isto explica o sucesso de muitos autores da época).
A Era Vitoriana (que podemos balizar entre 1837 e 1901) acentuou ainda mais este tipo de pensamento, que, regra geral, se manteve bastante vivo até ao século XX na Europa ocidental.
É difícil estabelecer uma cronologia para a «morte» das solteironas, mas o que é certo é que este estigma foi desaparecendo à medida que a mulher foi começando a entrar para o ensino superior e a conquistar o seu espaço no mundo laboral. De início, o processo começou com as jovens oriundas das classes mais elevadas, que mais facilmente tinham acesso a uma faculdade, mas, ao longo dos anos, esta libertação foi ganhando um cunho interclassista. Quando chegamos a finais dos anos 80 e ao início da década de 90, vemos os estabelecimentos de ensino superior repletos de jovens raparigas, que, no simples gesto de acederem ao mais alto grau de ensino, pareciam dizer ao Mundo que o casamento não era o único destino que lhes estava reservado.
Bem sei que, ainda hoje, não há uma real paridade entre homens e mulheres. Bem sei que o caminho para a igualdade não chegou ao fim. Mas sei também que, pelo meio, as mulheres tiveram a maior conquista que poderiam algum dia imaginar: a palavra «solteirona» foi banida do vocabulário do dia-a-dia sem que muitos e muitas se apercebessem de tal. Foi banida num contexto de crise do casamento, mas, sobretudo, num momento em que a sociedade ocidental passou a ver o matrimónio de uma forma completamente diferente, em que a felicidade de ambos os lados é aquilo que realmente interessa.
Hoje, uma mulher pode ser solteira depois dos 30 anos e pode até manter-se assim por toda a vida. Hoje, uma mulher ter o direito de ser o que é e o que quiser ser e não apenas um estado civil.
Estes pequenos detalhes, como o facto de a palavra «solteirona» se ter tornado obsoleta, mostram que, afinal, a sociedade pode evoluir. E muito mais caminhará até que possamos, de facto, falar em liberdade.
Nota: A foto é de Jane Austen, que faleceu aos 42 anos, sem nunca ter casado. Aos olhos da época, morreu solteirona.
Belles toujours
Há 1 hora
1 comentário:
Dr.Mento
Pois a sociedade pode evoluir mas ainda tarda para que seja evoluída não só em relação a essa como a muitas outras desigualdades.
Abraço
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