(Um texto produzido no meio das obras de remodelação)
O célebre caso da licenciatura de José Sócrates na Universidade Independente trouxe a público uma realidade da qual há muito se falava: a forma como certas instituições particulares de ensino superior concediam graus académicos sem a mais pequena sombra de exigência ou rigor. Durante anos, o mercado de trabalho foi inundado de licenciados, que, sem qualquer preparação aos mais diversos níveis, competiam directamente com aqueles que, de alguma forma, deram o litro para conseguir uma licenciatura ou mestrado.
Não estou a dizer que esta ou aquela instituição concedesse diplomas a troco de um cheque (embora tal acontecesse, de facto). Estou a dizer que sempre houve locais onde, graças a critérios de exigência inacreditavelmente baixos, conseguiam conferir o grau de licenciado a pessoas, que, por falta de trabalho ou de capacidade, não conseguiriam fazer mais do que um par de cadeiras numa faculdade a sério.
Mariano Gago, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, decidiu pôr um ponto final nesta brincadeira e, depois de ter encerrado compulsivamente a Independente e a Moderna, decide agora fazer o mesmo à Universidade Internacional de Lisboa e da Figueira da Foz, bem como ao Instituto Superior Politécnico Internacional. Neste últimos casos, a justificação da tutela foi bem clara: “Manifesta falta de viabilidade económico-financeira” da SIPEC - Sociedade Internacional de Promoção de Ensino e Cultura, S.A.
Todavia, volto a frisar que as verdades são como os chapéus: há muitas.
Há quem tenha a ideia que as privadas mais não eram do que coutadas de meninos ricos, que, mesmo não querendo esforçar-se minimamente, conseguiam uma licenciatura graças às avultadas posses financeiras dos seus progenitores. Isto pode ser verdade num ou noutro caso, mas, em muitas situações, passa-se justamente o oposto.
As décadas de 80 e de 90 trouxeram para Portugal a urgência das licenciaturas. Nesta época, muitos pais começaram a entender que os seus filhos teriam, obrigatoriamente, de ter estudos superiores como forma de garantir um futuro risonho, numa profissão agradável e, claro está, bem remunerada. Hoje, sabemos quão frágeis eram estes sonhos, mas, na altura, pensava-se justamente o contrário.
Muitos destes novos candidatos ao ensino superior eram provenientes de agregados familiares cujo nível cultural e/ou académico era bastante baixo - muitas vezes, o pai e a mãe mais não tinham do que a antiga quarta classe. Muitos foram criados em meios onde se diziam (e dizem) coisas como: “Tu fostes”, “tu fizestes”, “dá cá a farramenta”, “quaisqueres”. Nestas condições, vencer no mundo dos estudos tornava-se uma tarefa verdadeiramente titânica, especialmente quando muitos destes jovens concorriam a vagas que eram disputadas por filhos de quadros superiores.
Dou-vos um exemplo concreto (e pessoal) para tentarem perceber a importância do grau académico dos pais no desempenho futuro dos filhos. No meu primeiro ano de licenciatura, fui, destacadamente, o melhor aluno na cadeira de Sociologia. Os meus pais são ambos sociólogos e, apesar de não me terem ajudado directamente a fazer a cadeira, acabaram por me auxiliar de uma outra forma quase imperceptível para muitos (mas não para eles, sociólogos). Ao longo dos anos, nomes como Émile Durkheim, Auguste Comte ou Anthony Guiddens fizeram parte do meu dia-a-dia, o que, uma vez chegado ao ensino superior, me deu uma vantagem enorme sobre os meus demais colegas.
Perante esta desigualdade de oportunidades, muitos jovens viram-se sem notas para entrar no ensino superior público, gratuito e, regra geral, de boa qualidade (e exigente). Para fazer face às necessidades deste nicho de mercado, foram surgindo universidades privadas que, a troco de um cheque mensal (muitas vezes, pago com enorme sacrifício pelas famílias), aceitavam estes alunos excluídos do ensino superior público. Por vezes, para conseguirem ter licenciados no final do ano, muitas destas instituições viam-se obrigadas a fazer inúmeras concessões em termos de exigência, o que se reflecte, por exemplo, na parca (às vezes, lamentável) cultura geral de muitos dos jovens formados nestas instituições.
Por experiência própria, não sei quais seriam os graus de exigência da Independente, da Moderna ou da Internacional, embora, no caso da primeira, tenha sido tornado público o (anedótico) nível de esforço exigido ao nosso primeiro-ministro. Não tenho também elementos disponíveis que me permitam avaliar se, de facto, a decisão de Mariano Gago foi ou não correcta, até porque, nos casos da Moderna e da Internacional, o responsável pela tutela alegou condicionantes de ordem financeira.
O que sei é que, como diz o provérbio, “quando o mar bate na rocha, quem se fode é o mexilhão”.
Com o fecho destas três universidades, quem tem um diploma da Independente, da Moderna ou da Internacional, fica com uma licenciatura que quase deixa de o ser, apesar de todas as vozes dizerem justamente o oposto. Em termos de mercado de trabalho, muitos ficarão numa situação extremamente delicada em comparação com todos aqueles que têm um diploma de uma instituição que… bem, que ainda existe. Tendo em conta o actual panorama do mercado de trabalho, podeis tirar as vossas próprias conclusões sobre qual será o destino de muitas destas pessoas.
Neste contexto de fecho de universidades, destaco também todos os que perderam o emprego, bem como aqueles que foram surpreendidos a meio do curso e viram-se sem grandes alternativas para prosseguir os seus estudos. É que, em certos casos, há licenciaturas que apenas existiam nestas universidades.
Quanto a José Sócrates, a licenciatura dele não lhe trará grandes obstáculos no mercado de trabalho, posto que falamos de peixe graúdo e não de mexilhão. Quando deixar de ser primeiro-ministro, na pior das hipóteses, terá à sua espera um lugar de administrador não-executivo na Caixa Geral de Depósitos.
quinta-feira, 21 de maio de 2009
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1 comentário:
Dr.Mento
O Dr.sabe do que fala. Subscrevo o que diz acrescentando algo que me preocupa e que gostaria ver esclarecido.
Gostava de ver um estudo sério que dissesse:
1 - A origem social dos licenciados que estão no desemprego, ou em empregos de baixa qualificação, os cursos que possuem, as faculdades onde os tiraram e as respectivas classificações.
2 - A origem social dos licenciados que foram absorvidos no mercado de trabalho como quadros de empresas os cursos que possuem (e se os possuem), as faculdades onde os tiraram e as respectivas classificações.
É que para defendermos essa igualdade de oportunidades que está na nossa Constituição é imperativo que se identifique o peso das "cunhas" versus as competências individuais.
Abraço
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