Como, decerto, todos saberão, a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho, que engloba a antiga Inspecção-Geral do Trabalho) é a entidade que, entre outras atribuições, tem a seu cargo a fiscalização do cumprimento das normas laborais. À partida, dado que é um organismo criado para defender os mais diversos direitos dos trabalhadores consagrados na lei (e, mais especificamente, no Código do Trabalho), esta entidade deveria ser bem vista pelos funcionários de qualquer empresa ou organismo. Contudo, não é isso que se verifica em muitos casos.
Em muitas empresas, implementou-se uma estranha cultura em relação à entidade fiscalizadora das condições laborais. Em muitos locais, sempre que os inspectores chegam à recepção de uma dada empresa, soa imediatamente uma espécie de sinal de alarme que leva dezenas e dezenas de trabalhadores a fugir pela «porta do cavalo», como se corressem a sete pés da peste negra. Por norma, os que fogem são precários ilegais, trabalhadores cujos direitos são constantemente espezinhados pelas entidades patronais e que, por imposição destas, escapam ao único organismo que poderia fazer com que aquilo que está fora da lei pudesse passar a estar de acordo com a legislação.
O medo de perder o posto de trabalho gera comportamentos deste género. Ninguém quer ofender o patrão que nos ofende e todos consentimos numa vasta série de ilegalidades. Tudo para manter o pouco que temos.
Mas este comportamento é, salvo raras excepções (e admito que elas possam existir), extremamente errado. Quem foge da ACT, foge do cumprimento da lei, mas, sobretudo, dos seus próprios direitos. Fugir de uma inspecção da ACT é dizer: “Eu sou um monte de merda sem vontade própria, um escravo abjecto e nojento, a quem o patrão pode fazer o que bem entender”.
Critico este comportamento, mas, certa vez, já o segui. Não fugi, porque não estava no local de trabalho no momento da inspecção, mas recusei-me a entrar e a ser defendido por aqueles dois senhores que apenas queriam que a minha empresa cumprisse, em relação a mim, aquilo que está consagrado no Código do Trabalho. Ao não entrar naquela sala, dei o meu aval aos incumprimentos da minha empresa, que, confesso, não queria prejudicar (apesar de ela me estar a prejudicar em inúmeros aspectos).
Escrevo estas linhas pouco tempo depois de ter vindo de uma delegação… da ACT. Sim corro agora para o organismo do qual «fugi» em tempos. Corro porque a minha antiga empresa passou por cima de todas as normas do Código do Trabalho, mesmo das mais elementares (acreditem). Consenti, dei o meu OK a certos abusos e a entidade patronal tratou imediatamente de abusar ainda mais. Acho que só não abusaram de mim sexualmente, mas, de resto… é melhor nem vos dizer. É mau demais para quem só tem conhecimento de certos casos através das notícias.
Se o meu exemplo não vos servir, relembro-vos um outro, passado em Agosto de 2008 e que foi amplamente divulgado na Comunicação Social.
No centenário O Primeiro de Janeiro, ilustre matutino portuense, a prática de fugir à ACT era mais do que comum, o que dava à entidade empregadora, a Sédico, o direito de cometer todas as arbitrariedades possíveis e imaginárias (muitas delas foram já tornadas públicas). Um dia, quando a carteira minguou, o patrão da Sédico e d’O Primeiro de Janeiro, Eduardo de Oliveira Costa, montou uma estratégia de despedimento colectivo e completamente ilegal de 34 trabalhadores do célebre matutino, alegando que ia suspender a publicação do jornal por um mês… o que, como se sabe, não veio a acontecer.
De um momento para o outro, 34 pessoas ficaram sem emprego, com salários em atraso, sem indemnizações, sem subsídios de férias e de Natal… basicamente, ficaram sem nada. Quando recorreram à justiça, a insolvência da Sédico acabou por ser decretada judicialmente, mas a empresa anteriormente detentora d’O Primeiro de Janeiro não tinha quaisquer bens - nem sequer o próprio título, que havia sido previamente «trespassado» para outra empresa do grupo A Folha Cultural.
Agora que vos refresquei a memória com este triste episódio, digo e repito: Não fujam da ACT, ela é vossa amiga.
segunda-feira, 18 de maio de 2009
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3 comentários:
Dr.Mento
Os direitos dos trabalhadores têm sofrido fortes reveses e recuos tão grandes que chega a assustar se pensarmos quantas vidas perdidas e quantas lutas foram travadas para que alguns direitos, agora esquecidos, fossem consagrados.
Horários de trabalho, salários que dêem para suprir as necessidades básicas, condições de higiene e segurança, apoio à infância por ambos os pais, parecem ser letra morta para muitos patrões gananciosos sedentos de mais e mais ainda que para tal guardem esqueletos no armário.
Mas, Dr.Mento,são os próprios trabalhadores que têm permitido tão grandes recuos enfraquecendo as suas organizações, individualizando-se nos direitos e nos deveres sempre na perspectiva de que se podem safar independentemente dos outros colegas não o conseguirem.
Faltando-nos a consciência colectiva e a solidariedade do um por todos e todos por um, não nos cansamos de dar tiros nos próprios pés.
Abraço
Pois é Amigo,
Ainda vai sendo como diz " O medo de perder o posto de trabalho gera comportamentos deste género".
Mas, salvo melhor opinião, não se trata só do medo de perder o posto de trabalho mas, também de uma mentalidade ainda vigente na nossa sociedade, ao abrigo da qual se critica fortemente mas nada se faz para mudar. E, aqueles que alguma fazem são não raras vezes apelidados de "bufos" e outros adjectivos menos agradáveis.
Gostei deste seu post de alerta.
Um abraço amigo,
Maria Faia
Caro Dr. Mento
Para quem necessita de alguns tostões ao fim do mês e se sente eternamente agradecido a um patrão que lhe assegura a "bucha" diária, a ideia de exploração e injustiça é como que amarfanhada no mais remoto pensamento. Mesmo, porque directa ou indirectamente, a manutenção do posto de trabalho é, a maior parte das vezes, negociada, tendo como moeda de troca o silêncio.
"Ou é assim, ou há mais quem queira!".... e o mal é que há mesmo!
Esta relação de poder pela força psicológica, transforma o explorado em defensor do explorador de uma forma consciente e muitas vezes até inconsciente, conforme fazes reparo no teu excelente artigo.
E sabes o que me preocupa... é que pelo rumo que as coisas tomam, a tendência será para que esta situação se agrave. A capacidade de luta é cada vez menor, pois a necessidade de sobrevivência é cada vez maior.
Um povo com fome deixa-se amordaçar por uma codea de pão. Não sei se, perante este cenário, a ACT conseguirá fazer valer a sua amizade.
Um beijinho
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