segunda-feira, 4 de maio de 2009

ESPADAS QUE PICAM (2): Consequências ocultas do desemprego (I Parte)

(Novamente em tom sério e novamente sobre questões laborais)

Com a taxa de desemprego a caminho dos dois dígitos, este é um tema que se tornou corriqueiro no dia-a-dia da sociedade portuguesa. Todavia, mais do que um mero problema decorrente de uma conjuntura económica, o desemprego é um flagelo tenebroso, cujas consequências raras vezes a classe política tem o condão de avaliar. Em grande medida, esse distanciamento entre as pessoas que governam e legislam e os demais cidadãos leva a terríveis erros de avaliação, que, mais cedo ou mais tarde, terão de ser pagos. Por todos, temo.

Quando se fala em desemprego, é comum analisar-se o problema pela questão da Segurança Social. Cada contratado ou efectivo que perde o seu posto de trabalho representa um novo ónus para a Segurança Social, que deixa de receber uma contribuição e passa a pagar um subsídio. Até aqui, tudo claro.

Depois, há sempre aquela noção vaga de que a redução do poder de compra conduz, por seu turno, a uma quebra no consumo e ao aumento do problema do crédito malparado. No fundo, cada empresa que despede alegando que o consumo se está a retrair está, na verdade, a aumentar o seu problema e não a resolvê-lo. Mas isso é uma matéria de puro senso-comum, que, curiosamente, parece ser de fácil entendimento para todos, menos para uma classe empresarial muito mal preparada, que, infelizmente, ainda domina este País.

Mas o desemprego traz consigo outros males muito mais graves.

Em primeiro lugar, há sempre a questão da representação social do desempregado. Numa sociedade em que cada indivíduo é quase sinónimo de uma profissão, a perda de um posto de trabalho equivale quase a uma perda de identidade. João era bancário, agora é desempregado; João era alguém, agora é um nada.

No fundo, é como se o desemprego se traduzisse num homicídio social, agravado pela perda de laços de relacionamento com os colegas de trabalho no dia-a-dia (e é preciso não esquecer que, muitas vezes, passamos mais tempo com estas pessoas do que com as nossas próprias famílias).

Este quadro a que chamei de «homicídio social» pode, porém, levar mesmo à morte física do indivíduo. Mário Jorge Santos, sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Suicidologia, defende mesmo que os desempregados apresentam um elevado risco de comportamentos autodestrutivos, que, numa fase mais grave, podem mesmo conduzir ao suicídio. Sublinhando que está muito bem estudada a relação entre a depressão e o desemprego e entre a depressão e os comportamentos suicidários, este especialista resume a questão da seguinte forma: “O desemprego não só impede a pessoa de trabalhar e de ter um rendimento aceitável, como também destrói as famílias, aumenta o alcoolismo, que é um factor que está muitas vezes associado aos comportamentos suicidários. Aumenta a disfunção das famílias e destrói a auto-estima. A pessoa começa a achar-se incapaz, a achar que não vale nada, a achar às vezes que é só um fardo para os outros e tudo isto são ideações que podem levar a comportamentos autodestrutivos”.

Será que quem despede tem a real consciência de que, na verdade, pode estar a tirar uma vida?

1 comentário:

SILÊNCIO CULPADO disse...

Dr.Mento
Está aqui um post com muita substância e que levanta questões deveras pertinentes.
Efectivamente depois da socialização primária, em que o indivíduo se estrutura e recebe referências da família de origem, é a socialização no trabalho que determina a sua integração na vida futura.
É através da profissão, como bem dizes, que o indivíduo adquire uma identidade sem a qual se sente um proscrito na família humana. A realização através do trabalho e de uma remuneração satisfatória são factores fundamentais para que um indivíduo se realize, tenha auto-estima e a necessária harmonia dentro de si próprio e entre si e os outros.
Há uns bons anos atrás fiz um trabalho em que se falava de operários da margem sul que, tendo perdido o emprego, saíam de casa todos os dias à mesma hora com o seu farnel e passavam o dia à porta da fábrica apenas regressando ao sol posto como soíam fazer.
De uma forma mais soft eu também senti na pele essa perda de identidade quando negociei a saída da empresa onde me encontarva e fiquei no desemprego a aguardar a hora de passar a pensionista.
Apesar de ser uma situação calculada foram 30 meses de sofrimento e de depressão em que me sentia perdida e em que todos os problemas que me surgiram adquiriam uma dimensão muito maior do que aquela que teriam em circunstâncias normais.
O Direito ao trabalho e a uma remuneração condigna estão consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos subscrita por Países que fazem agora letra morta do que subscreveram.
Não nos deixemos acobardar por argumentos da crise.
Vou fazer uma chamada para este post no blogue solidárioO SOL POENTE ao qual também pertenço.

Abraço