sábado, 30 de maio de 2009

A MANILHA VAI SECA (15): Avante, camarada Jardim

(Se os meus computadores estivessem em ordem, este texto teria saído ontem, mas, mesmo assim, ainda vai a tempo de entrar em jogo)

“As empresas que apresentem, no último exercício fiscal, resultado líquido positivo superior a um milhão de euros, não poderão proceder à cessação de contratos de trabalho com recurso ao despedimento colectivo ou ao despedimento por extinção de posto de trabalho”.

Esta frase figura numa proposta aprovada na Assembleia Legislativa da Madeira. O diploma em causa considera igualmente que “o despedimento que ocorra em desconformidade com o estabelecido no artigo anterior é considerado ilícito, tendo os efeitos previstos no Código do Trabalho, para a ilicitude do despedimento colectivo e extinção de posto de trabalho” e que a suspensão da cessação do contrato de trabalho nas empresas nas condições acima citadas irá vigorar até 31 de Dezembro do próximo ano.

Não obstante, a proposta frisa ainda que a suspensão não abrange os despedimentos denominados “por causas subjectivas, em que é relevante uma actuação culposa do trabalhador, nem a rescisão por iniciativa deste e a cessação por acordo das partes, enquanto manifestação do princípio da autonomia da vontade das mesmas”.

Não, a proposta não é do PCP, embora pareça. E nem tão pouco do BE.

É do PSD-Madeira.

Isso mesmo, o partido de Alberto João Jardim.

A justificação?

A mesma de sempre: A CRISE.

Se, por acaso, julgam que o PCP e o BE bateram palmas, desenganem-se: os bloquistas (e o MPT), cautelosos, optaram por se abster, apesar de encherem Lisboa com cartazes a dizer “quem tem lucros não pode despedir”; já os comunistas (juntamente com o PS e o CDS-PP locais) votaram contra a proposta.

Só se espanta com este chumbo dos comunistas quem não conhece, de facto, a forma de funcionar do PCP. Se a proposta fosse do PCP (e podia perfeitamente sê-lo) e tivesse sido chumbada pelo PSD, os sociais-democratas da Madeira seriam chamados de “fascistas” para baixo. Sendo o PSD um partido que não está vinculado a uma das Internacionais marxistas, para o PCP passa, automaticamente, a ser um partido do demónio (embora o PSD não esteja ligado à II Internacional porque o PS de Mário Soares vetou a entrada do partido fundado por Francisco Sá Carneiro).

Certa vez, numa reunião de Câmara (não vou revelar a edilidade), assisti a um episódio deste género: o (único) vereador do PSD apresentou uma proposta com pés e cabeça, mas os vereadores do PCP votaram contra, apesar de estarem de acordo com a ideia; no final, o PCP acabou por obrigar o PSD a fazer uma ridícula mudança no texto da proposta para poderem votar a favor de uma ideia com a qual sempre concordaram, mas que quiseram chumbar apenas por ter sido apresentada por quem foi.

Alberto João Jardim é um populista puro e lançou esta medida para «dar graxa» ao eleitorado. No fundo, José Sócrates, quando vai à Assembleia da República anunciar novos subsídios para estes e para aqueles, faz exactamente o mesmo, embora lhe falte coragem para uma proposta destas.

Quanto ao PCP e ao BE, bem que ambos gostariam de ser os autores do diploma que não aprovaram e que, no caso dos comunistas, até rejeitaram.

A política é um lugar estranho.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

O EDITOR VAI A JOGO (7): Fora de jogo

Não, não desisti de manter esta mesa de jogo de má fama (embora a frequência da mesma seja de altíssimo nível).

Sucede que o meu computador titular apanhou com um Joker preto e ficou totalmente fora de jogo. Claro que uma formatação ao disco vai pô-lo novamente de cartas na mão, mas estas operações costumam ser altamente delicadas, já que tudo se perde e nada fica ao nosso gosto durante uns quantos dias. No fundo, neste momento, estou a jogar ao Apanha 40.

se ainda consigo vir aqui fazer este post é graças a um pc portátil que em boa hora me emprestaram, mas que nem sequer tem o Word instalado (pelo menos, ainda não o descobri). Sim, porque até o meu portátil de reserva está a dar as últimas, o que não é uma boa jogada quando o computador titular está numa de fazer renúncia.

Seja como for, continuo aqui e ando atento às vossas mesas de jogo.


O sempre vosso,


Dr. Mento

quarta-feira, 27 de maio de 2009

CHARLIE E A FÁBRICA DE CARTAS (2): A felicidade como arma para combater a crise

Crise, felicidade e Jenson Button num mesmo post?

Não, não, não, o Dr. Mento (ainda) não ensandeceu de vez.

Pelo menos, por enquanto.

Tudo faz sentido e todas as peças podem encaixar-se.

O percurso do inglês Jenson Button no mundial de Fórmula 1 é, na verdade, o exemplo perfeito de como um empregado feliz pode ajudar a sua empresa a conseguir tudo aquilo que almeja: mais produção, mais resultados, mais lucros, mais quota de mercado. Porém, esta história mostra-nos também que, para um empregado poder estar a 200 por cento numa empresa, esta necessita, primeiramente, de mostrar qualidades àqueles que emprega. Para muitos empresários, é o empregado quem deve mostrar aquilo que vale, mas Button mostra-nos precisamente o contrário.

Há muitos anos que acompanho o mundial de F1 e, mentalmente, já havia classificado Jenson Button como mais um “good, but not good enough” (“bom, mas não bom o suficiente” [para ser campeão, entenda-se]”.

Enganei-me.

Lembro-me perfeitamente do bom ano de estreia na Williams, em 2000 e do facto de, aos 20 anos, se ter tornado no mais jovem piloto de sempre a pontuar num Grande Prémio de F1 (o recorde manteve-se intacto até 2007). Como o contrato de Button com a Williams era válido apenas por um ano (a equipa de Sir Frank queria apenas aquecer o lugar para o colombiano Juan-Pablo Montoya, então visto como o próximo génio do automobilismo internacional), o jovem inglês encontrou um volante na Benetton, que então realizava a sua temporada de despedida após ter sido comprada pela Renault. Com um carro difícil nas mãos, Button teve uma temporada miserável e quase foi despedido, mas acabou por ser mantido em 2002, ano que assinalou o regresso da equipa Renault à F1. Em 2002, Button melhorou de forma, mas nada que justificasse as expectativas geradas pela imprensa britânica após a temporada de 2000.

Em 2003, Jenson Button muda-se para a BAR-Honda, onde encontra um ex-campeão do Mundo, Jacques Villeneuve, como companheiro de equipa. Button não só ofuscou completamente Villeneuve, como conquistou os favores do patrão da BAR, David Richards. Em 2004, ano de domínio completo da Ferrari, a BAR acabou por ser guindada à segunda posição do mundial de construtores, muito graças às excelentes exibições de Jenson Button, que, curiosamente, só conseguiu subir a um pódio na sua quinta época na categoria máxima. Em 2005, apesar de vários contratempos (nomeadamente a suspensão da BAR por duas corridas devido a uma falcatrua encontrada no depósito de combustível), Button tem uma nova temporada de bom nível.

Em 2006, a BAR é comprada pela Honda, que assim voltava a ter uma equipa a tempo inteiro na F1. Com um carro bastante bom, Button vence o Grande Prémio da Hungria e tem uma segunda parte de temporada de altíssimo nível. Porém, em 2007 e 2008, a Honda produz monolugares de fraquíssima qualidade e os resultados de Button ressentem-se disso mesmo - em dois anos, o melhor que conseguiu foi um quinto posto. Mas, para 2009, as expectativas eram bem superiores, já que o monolugar havia sido concebido sob a direcção técnica do inglês Ross Brawn, um dos grandes responsáveis pelos títulos de Michael Schumacher na Benetton (1994 e 1995) e na Ferrari (de 2000 a 2004).

Entretanto, vem a crise financeira mundial, geradora de uma outra crise, desta feita no sector automóvel. Diante de quedas de vendas absolutamente abismais (especialmente no mercado norte-americano), a Honda decide desfazer-se da sua equipa de F1 e, após um processo negocial bastante delicado, opta por um management buyout - ou seja, a equipa é trespassada aos anteriores gestores, com a Honda a assegurar apenas uma parte do orçamento para a temporada. Como todos sabem, foi assim que nasceu a Brawn GP, liderada pelo «mago» Ross Brawn, que chegou ao primeiro Grande Prémio do ano com um carro muito bem-nascido, apesar de pouquíssimo testado.

Com um excelente carro nas mãos e uma equipa inteiramente do seu lado, Jenson Button é agora um homem feliz. Como a felicidade nunca é demais, decidiu fazer também de Ross Brawn um homem feliz, vencendo cinco das seis corridas até agora disputadas. Com um estilo de pilotagem limpo, Button é daqueles pilotos que apenas dá tudo por tudo nos momentos em que tem que dar, o que explica, por exemplo, algumas pole-positions de última hora - ou seja, com Button a conquistar o melhor tempo na terceira qualificação (a que define os dez primeiros lugares da grelha), quando não havia sido o mais rápido nas duas primeiras mangas.

Button está feliz, está a pilotar de forma soberba e autoritária e é um seríssimo candidato a vencer o mundial deste ano. Na verdade, há quem diga que já tem o título no bolso.

Acarinhado e estimado por Ross Brawn, Jenson Button é um empregado produtivo e altamente rentável. Curiosamente, quando passou pela Benetton e pela Renault, este jovem inglês era fortemente criticado pelo seu «chefe», o italiano Flávio Briatore, o que acabou por ter naturais reflexos nos resultados conquistados. Briatore e Button nunca fizeram uma boa dupla patrão-empregado.

Jenson Button não é o piloto mais completo da actual F1, faltando-lhe, por exemplo, aquela capacidade de trabalho que se via num Michael Schumacher. Não é capaz de milagres como os de um Ayrton Senna e não baterá os recordes de juventude de Lewis Hamilton ou de Sebastien Vettel. Também não faz ultrapassagens loucas e inacreditáveis como as de Gilles e Jacques Villeneuve (pai e filho) ou as de Juan Pablo Montoya.

Contudo, é um bom piloto, detentor de um estilo limpo à Jackie Stewart ou à Alain Prost. Precisa de ser acarinhado para estar motivado e precisa que a equipa trabalhe bem para ele poder trabalhar bem. Precisa estar feliz para poder espalhar a felicidade à sua volta.

Muitos patrões não compreendem o valor da felicidade daqueles que empregam. Se percebessem, seriam muito mais ricos… e campeões, como, decerto, Ross Brawn vai ser este ano.

A MANILHA VAI SECA (14): E não é que ele volta a ter razão?

Já aqui havia dado toda a razão do Mundo a Vital Moreira e volto a fazê-lo novamente.

Se descerem alguns posts, vão encontrar um texto onde falo do facto do PSD e CDS-PP estarem integrados na mesma família política europeia. Isto significa, como bem alertou o cabeça-de-lista do PS, que, uma vez chegados a Estrasburgo, os eurodeputados do PSD e CDS-PP sentam-se na bancada do PPE (partido Popular Europeu), a família que junta forças políticas de matriz conservadora e democrata-cristã (ou seja, partidos que têm tudo a ver com o CDS-PP e muito pouco com o PSD, que finge ser uma coisa que não é para pertencer à maior bancada do Parlamento Europeu).

Mas Vital Moreira não se ficou por aqui. Agora, veio a público lembrar que um fenómeno idêntico sucede com o PCP e o BE, dois partidos que, em Estrasburgo, integram o Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia. Ou seja, em Portugal, PCP e BE apresentam duas visões bem diferentes (e, por vezes, antagónicas) sobre o que deve ser aquilo que eles dizem ser a esquerda, mas, no Parlamento Europeu, tais diferenças esbatem-se e os eurodeputados de ambos os partidos sentam-se lado a lado.

Mas a confusão não se fica por aqui. O Partido Ecologista «Os Verdes», que concorre sempre coligado com o PCP (dando origem à CDU), não integra o Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia, mas sim uma outra família política: o Grupo dos Verdes.

Ou seja, ao votar na CDU, o eleitor está, na verdade, a eleger eurodeputados para duas famílias políticas diferentes… sendo uma delas a mesma de um partido rival, o BE.

Confuso?

É, não é?

Neste aspecto particular, saúdo a coerência do PS, que alinha com o PSE, o Partido Socialista Europeu, família política à qual pertence, de facto. Vital Moreira tem consciência deste trunfo e está a usá-lo para desbaratar o jogo dos seus adversários. Bem jogado, sim senhor.

Nota: Um par de elogios a Vital Moreira não significa que esteja a fazer campanha pelo senhor ou pelo PS. Nem sequer significa que vá votar no Avô Cantigas e nos seus amigos cor-de-rosa. Contudo, “a César o que é de César”: estes elogios são merecidos.

terça-feira, 26 de maio de 2009

ÁS DE TRUNFO (1): Brittney

(Só tenho pena que a primeira atribuição da maior distinção deste blog não tenha direito a fotografia)

A um amigo nada negamos. Um amigo nada nos nega.

Há amigos que caminham apenas nas patas traseiras (vulgo pernas). Há amigos que caminham apoiados nas quatro patas. Mas, quando são amigos, são-no sempre, para toda a vida e incondicionalmente, de todas as formas.

Sobre a amizade, conto-vos aqui uma história que apanhei na Lusa.

Há cerca de duas semanas, o norte-americano Scott Seymour, residente em Grand Rapids, levou a sua cadela buldogue ao veterinário, que descobriu que Brittney, de nove anos, tinha vários tumores malignos, podendo não sobreviver a uma cirurgia. De imediato, o dono excluiu o recurso a tratamentos de quimioterapia, por considerá-los muito duros para a cadela, e também o abate, optando antes por lhe administrar medicação para aliviar as dores até a morte suceder naturalmente, o que poderá ocorrer dentro de alguns dias.

Com este gesto, Scott Seymour salvou a própria vida.

No domingo, Brittney, acordou-o com o seu latido a tempo de os dois escaparem da casa onde moravam, que se encontrava já em chamas. O incêndio acabou por destruir a habitação, mas, graças a Brittney, Scott escapou são e salvo… e com vida, após se ter recusado a terminar a vida da sua amiga.

Provas de amizade como estas dizem-nos que vale a pena viver.

E que todos se lembrem da Brittney, agora que está prestes a começar a época negra do abandono de animais. Quem abandona, pode estar a condenar um animal à morte… mas pode também estar assinar a própria sentença de morte.

Pensem nisso.

A MANILHA VAI SECA (13): Estrasburgo e o meu querido mês de Junho

Uma das maiores falhas da União Europeia é a inexistência de uma lei eleitoral única para as Eleições Europeias, que, salvo umas quantas normas, continuam a realizar-se ao abrigo das legislações eleitorais vigentes em cada um dos 27 estados-membros. Uma das poucas normas comuns diz respeito justamente ao facto de as eleições terem de se realizar entre a quinta-feira e o domingo de uma mesma semana.

Isto significa que, apesar de a legislação eleitoral portuguesa conferir ao Presidente da República o poder (e a obrigação) de marcar a data para as Eleições Europeias (desde que o faça com 60 dias de antecedência), na prática, Cavaco Silva só tinha como alternativa o dia 7 de Junho.

Sucede que este domingo antecede uma semana com dois feriados (10, quarta-feira e 11, quinta-feira), que, decerto, será aproveitada por muitos para uma semana de repouso, justamente num dos meses mais agradáveis do ano. Na verdade, com apenas três dias de férias, será possível gozar nove dias de descanso, o que não deixa de ser um excelente negócio para muitos trabalhadores portugueses.

Esta semana mágica começará na tarde/noite de sexta-feira, dia 5, e só terminará ao cair do dia 14, domingo. Isto significa que as Eleições Europeias, que registam sempre níveis de abstenção brutais em toda a Europa, vão calhar a meio desta semana sacrossanta.

“Espero que a campanha decorra com serenidade, que seja uma campanha esclarecedora e que mobilize os portugueses para que, no dia 7 de Junho, não fiquem em casa, não vão de férias, não aproveitem os feriados que vêm a seguir e compareçam nos locais de voto e exerçam o seu direito cívico”. Quem tais palavras proferiu chama-se Aníbal António Cavaco Silva e é um ilustre economista e político português, que, nascido em Boliqueime ao 15.º dia do mês de Julho do ano de 1939, guindou a sua bem-sucedida carreira pública até subir ao mais alto degrau que um cidadão luso pode almejar: a Presidência da República.

Pois é, meu caro Aníbal, bem te podes queixar da má sorte de teres de marcar eleições para uma semana tão repleta de tão saborosos feriados (o 13 de Junho, em Lisboa, não conta, porque calha a um sábado). Ainda por cima, a semana de doces dias de lazer tem lugar naquele mês em que as tépidas águas do mar bailam por entre areais dourados, que, com o seu chamamento mágico, fazem cair nas suas garras (ou areias) centos e mais centos de eleitores.

Contudo, a verdade é que a realização da semana das Eleições Europeias é decidida em Estrasburgo, uma cidade sem praias, nem mar. Poder-se-ia argumentar que o Parlamento Europeu não pode tomar em atenção todas as especificidades locais de todos os 27 estados-membros e que os ilustres eurodeputados não podem estar a marcar as eleições noutra data por causa de Portugal, das suas praias e dos seus calores amenos de Junho.

Na verdade, há quem argumente que o Parlamento Europeu se está a cagar para Portugal. Mas se em Portugal e nas suas especificidades cagam, que os eurodeputados não contem com a merda do voto dos portugueses.

ROYAL STRAIGHT FLUSH (2): A morte da solteirona

Ler a obra de Jane Austen representa uma viagem até um dos maiores medos femininos da Inglaterra pré-vitoriana: o de ficar solteirona. Sim, porque naqueles anos (Jane Austen viveu entre 1775 e 1817), o destino único da mulher era o casamento e toda a jovem que atingisse a barreira dos 30 anos sem «dar o nó», ganhava imediatamente o rótulo de «solteirona».

Na classe operária, tal estigma não seria particularmente doloroso (na Grã-Bretanha da Revolução Industrial, o operariado tinha grandes semelhanças a uma massa escravizada, como, mais tarde, denunciou Karl Marx), mas, da pequena burguesia para cima, ser-se solteirona era ser-se uma mulher sem préstimos, sem qualidades, sem qualquer razão para viver. Na verdade, a mulher era vista, neste contexto, como uma boa forma de o «pai de família» poder protagonizar um trajecto de ascensão social (se a filha casasse com alguém de uma classe superior) ou como modo de poder injectar algum dinheiro na arruinada casa (são muitos os exemplos de casas da pequena nobreza que, ao atingirem a ruína, optavam por um enlace de um filho com uma pequena oriunda de uma burguesia endinheirada, embora desprovida de brasão).

Curiosamente, este pensamento vingou numa época em que o romantismo colocou o amor em primeiro plano. Contudo, para muitas jovens, esta exaltação do romantismo existia tão-somente na literatura da época, que acabava por se tornar numa espécie de escape da dura realidade (e isto explica o sucesso de muitos autores da época).

A Era Vitoriana (que podemos balizar entre 1837 e 1901) acentuou ainda mais este tipo de pensamento, que, regra geral, se manteve bastante vivo até ao século XX na Europa ocidental.

É difícil estabelecer uma cronologia para a «morte» das solteironas, mas o que é certo é que este estigma foi desaparecendo à medida que a mulher foi começando a entrar para o ensino superior e a conquistar o seu espaço no mundo laboral. De início, o processo começou com as jovens oriundas das classes mais elevadas, que mais facilmente tinham acesso a uma faculdade, mas, ao longo dos anos, esta libertação foi ganhando um cunho interclassista. Quando chegamos a finais dos anos 80 e ao início da década de 90, vemos os estabelecimentos de ensino superior repletos de jovens raparigas, que, no simples gesto de acederem ao mais alto grau de ensino, pareciam dizer ao Mundo que o casamento não era o único destino que lhes estava reservado.

Bem sei que, ainda hoje, não há uma real paridade entre homens e mulheres. Bem sei que o caminho para a igualdade não chegou ao fim. Mas sei também que, pelo meio, as mulheres tiveram a maior conquista que poderiam algum dia imaginar: a palavra «solteirona» foi banida do vocabulário do dia-a-dia sem que muitos e muitas se apercebessem de tal. Foi banida num contexto de crise do casamento, mas, sobretudo, num momento em que a sociedade ocidental passou a ver o matrimónio de uma forma completamente diferente, em que a felicidade de ambos os lados é aquilo que realmente interessa.

Hoje, uma mulher pode ser solteira depois dos 30 anos e pode até manter-se assim por toda a vida. Hoje, uma mulher ter o direito de ser o que é e o que quiser ser e não apenas um estado civil.

Estes pequenos detalhes, como o facto de a palavra «solteirona» se ter tornado obsoleta, mostram que, afinal, a sociedade pode evoluir. E muito mais caminhará até que possamos, de facto, falar em liberdade.

Nota: A foto é de Jane Austen, que faleceu aos 42 anos, sem nunca ter casado. Aos olhos da época, morreu solteirona.

A MANILHA VAI SECA (12): PSD «vestido» de conservador para ser do PPE

Há coisa de um mês, publiquei em papel (mas não neste espaço) um artigo de opinião no qual chamava a atenção para uma questão que acabou por ser levantada por Vital Moreira.

Diz o ilustre socialista nas horas vagas e cabeça-de-lista do PS às Eleições Europeias que o PSD e o CDS-PP “estão reunidos no PPE, onde aliás não se distinguem”. Por isso, argumentou o douto académico de Coimbra, “em Portugal é a mesma coisa votar PSD ou CDS, porque no Parlamento Europeu há apenas PPE”.

Dou toda a razão do Mundo a Vital Moreira, que alertou o eleitorado para uma questão deveras pertinente: os eurodeputados são eleitos através das listas dos partidos nacionais, mas, uma vez chegados a Estrasburgo, sentam-se nas bancadas das grandes famílias partidárias europeias. E é aqui que começa a confusão.

O PS integra a bancada do PSE, o Partido Socialista Europeu, a segunda maior família política de Estrasburgo. Até aqui, tudo bem.

Contudo, o Parlamento Europeu é dominado pelo PPE (Partido Popular Europeu), que une, essencialmente, forças políticas europeias de matriz conservadora ou democrata-cristã, como, por exemplo, o PP espanhol ou o Conservative Party inglês. Se acham que o PPE seria, por definição, o espaço político de acolhimento do CDS-PP, fiquem a saber que o partido de Paulo Portas só há muito pouco tempo aderiu a esta família política, onde, durante largos anos, a representação portuguesa esteve a cargo do PSD… que não é democrata-cristão, nem conservador.

Confuso?

Para mim é.

Nas próximas Eleições Europeias, o PSD poderá, finalmente, aproximar-se novamente do PS, mas será justamente no sufrágio em que o partido de Manuela Ferreira Leite se tem de «mascarar» de CDS-PP para entrar na maior família política europeia. De facto, o PSD é um partido estranho e uma das maiores singularidades da política portuguesa, mas este é um tema para um próximo (e longo) post. Por agora, com esta questão, deixo-vos só um aperitivo…

segunda-feira, 25 de maio de 2009

VALETE DE COPAS (2): Duas semanas depois

Passaram quase duas semanas desde o dia em que, de forma pacífica e traumática, coloquei um ponto final na minha ligação a uma certa empresa. Estranhamente, sinto-me apenas um pouco melhor. Apenas um pouco, agora que findou o terror. Temo que reais e efectivas melhorias no meu estado de espírito possam demorar ainda algum tempo. Os horrores laborais deste último ano foram maiores do que eu poderia imaginar e temo que as sequelas possam manter-se por muito tempo.

Há momentos em que me sinto incapaz para escrever o que quer que seja. É mau demais para quem ganhou a vida a escrever. A inspiração foge-me por entre os dedos, por entre os poros de uma mente cansada, sem ânimo. Não sei onde quero estar ou se quero estar algures.

Nada sei.

A não ser que ainda sinto em mim vestígios de meses que não deveriam ter existido.

Por favor, não deixem que vos façam o que me fizeram. A vossa saúde mental não tem preço, nem mesmo o de um ordenado ao fim do mês… que, no meu caso, raras vezes era pago. Devia ter cortado o mal pela raiz há muito tempo…

domingo, 24 de maio de 2009

A MANILHA VAI SECA (11): Eles, europeus

“No dia 7 de Junho, vamos mesmo votar para quê?”

A pergunta foi-me dirigida por uma amiga na passada sexta-feira, a meio de uma amena cavaqueira. Curiosamente, já outras pessoas me tinham feito a mesma questão.

Há cartazes e outdoors por toda a parte. Há notícias e debates nos jornais, nas rádios, nas televisões. Há comícios e iniciativas políticas por toda a parte. Ninguém liga. De súbito, Portugal é tomado por uma estranha letargia que faz com que toda a elite política cá do burgo se tivesse transformado em algo tão visível como um Dez de Paus num jogo de Sueca.

Eleições Europeias.

Diz-vos alguma coisa?

Se calhar, o problema não será exactamente esse. Se calhar, deveria colocar a questão noutros termos: Europa, diz-vos alguma coisa?

Sabemos que somos europeus porque tal nos foi ensinado na escola. Geograficamente, faz sentido. Além do mais, sabemos que não somos africanos, nem asiáticos. Ou seja, devemos ser europeus. E acabou por aí. O “Nós, Europeus” de Vital Moreira e do PS é muito bonito, dá um ar sofisticado à coisa, mas nada diz à esmagadora maioria dos portugueses. Na verdade, nada diz à esmagadora maioria da classe política portuguesa, que parece mais interessada em discutir assuntos de índole interna (já com as Legislativas em mira) do que em debater as verdadeiras questões da União Europeia, as quais não se esgotam na adesão da Turquia ou no Tratado de Lisboa. Há matérias relacionadas com trabalho, direitos humanos, migrações, ambiente, economia, finanças e muitos outros temas que deveriam fazer parte dos debates e das conversas do dia-a-dia…

Isto se os portugueses fossem, de facto, europeus.

Uma das questões mais analisadas quando se olha para a tabela da Liga Sagres é ver quem consegue o acesso às competições europeias. “Ir à Europa”, como vulgarmente se diz. Dito assim, parece que os clubes portugueses jogam num campeonato extra-europeu, um pouco como sucede com Israel.

Quando José Manuel Durão Barroso abdicou do cargo de primeiro-ministro de Portugal para presidir à Comissão Europeia, muitos proferiram a sentença: “Fugiu para a Europa”. Não só não fugiu, como, tecnicamente, nunca deixou de estar no Velho Continente. Mas, na prática, Lisboa e Bruxelas pertencem a continentes diferentes.

Há, em tudo isto, um resquício do “Orgulhosamente Sós” do Estado Novo. Mas há também uma forma de sentir de um povo, que imagina a Europa como sendo composta por países como a Alemanha, França, Grã-Bretanha, Bélgica, Suécia, Dinamarca, Finlândia ou os Países Baixos. Há um povo que sente que, entre Portugal e Espanha, há um fosso de desenvolvimento (que começa nas próprias mentalidades) demasiado grande para poder considerar que ambos os países pertencem ao mesmo continente. E se tão grande é a distância de Lisboa para Madrid, o que não dizer do caminho para Paris, Londres ou Berlim. Tomamos como referência os mais desenvolvidos países do Velho Continente e sentimo-nos pequeninos, insignificantes, distantes… e diferentes dos europeus.

É um estado de alma.

Por isso, o Dr. Mento não necessita de ver as cartas que saíram a cada um para saber como vai acabar este jogo: Com uma abstenção superior a 60 por cento.

Querem apostar?

O EDITOR VAI A JOGO (6): Não fiz renúncia

Num post anterior, fiz questão de salientar que uma das regras do Dr. Mento seria o de nunca comentar o trabalho de outros jornalistas. Contudo, pode dizer-se que o post anterior desrespeita a citada regra… ou não?

Manuela Moura Guedes tem a Carteira Profissional de Jornalista n.º 865, o que, oficialmente, faz dela jornalista. Contudo, conheço pessoas que possuem o mesmo título e que não exercem, de facto, a profissão - lembro-me do caso de um senhor que assina umas crónicas ridículas em dois jornais locais dos quais é proprietário, mas que jamais põe os pés numa redacção e não faz a mais pequena ideia de como é que um espaço destes funciona.

Pessoalmente, não entendo Manuela Moura Guedes como sendo jornalista. Vejo-a mais como apresentadora de um espaço supostamente noticioso, mas que, em rigor, acaba mais por ser um programa de entretenimento. Ainda assim, sabendo que trabalham para este programa e esta estação verdadeiros jornalistas (muitos deles, críticos do modelo seguido pela casa), optei por limar ao máximo os juízos de valor que fui tecendo.

Fica claro que não aprecio o citado programa de entretenimento e que acho que a senhora tem muito de criticável. Mas, no final, acabei mesmo por só lhe fazer três críticas: em relação às plásticas que a desfiguraram, ao seu ego inchado e à falta de brilhantismo em relação às figuras que lideraram O Independente nos seus primeiros anos. Todavia, realçar estes três aspectos é o mesmo que dizer: “O Teixeira dos Santos é grisalho”.

A MANILHA VAI SECA (10): O Joker guardado na manga de Marinho Pinto

(É, provavelmente, o tema mais falado na blogosfera)

Confesso que não vi em directo, mas o YouTube é um velho companheiro de cartas e contou-me tudo o que se passou (com imagens e som). Pois é, falo-vos da peixeirada entre Manuela Moura Guedes e Marinho Pinto, em directo, no Jornal Nacional da TVI de sexta-feira.

Aparentemente, o que se passou foi o seguinte: Manuela Moura Guedes irritou solenemente Marinho Pinto, que, por seu turno, se exaltou até ao limite e insultou a pivot da TVI de todas as formas e feitios, deixando a senhora da boca larga sem pio.

Sucede que esta história tem muito mais que se lhe diga.

Acreditam mesmo que a irritação de Marinho Pinto foi cem por cento genuína e espontânea? Se já deram para esse peditório, desenganem-se e revejam o vídeo no YouTube. Há uma frase em que o bastonário da Ordem dos Advogados deixa escapar que, na verdade, já ia prontíssimo para este ataque e só estava à espera de ver Manuela Moura Guedes a pôr o pé em ramo verde. Claro está, não foi preciso esperar muito até que a Lady TVI começasse a ser deveras malcriada com Marinho Pinto, que, por seu turno, sacou de um Joker que tinha escondido na manga e, em pleno jogo de Sueca, decidiu cortar o Às de trunfo à senhora das avantajadas beiçolas.

O objectivo de Marinho Pinto era mais do que claro: Descredibilizar ao máximo Manuela Moura Guedes e o Jornal Nacional da TVI (só a edição de sexta-feira). Astuto, o bastonário optou por acertar em cheio num alvo bem definido, ao invés de se pôr a disparatar e insultar toda a classe jornalística, táctica que, de resto, é seguida por muito boa gente (e podem começar por Alberto João Jardim e acabar em José Sócrates). Na verdade, ao atingir Manuela Moura Guedes, Marinho Pinto consegue a simpatia de muitas pessoas, a começar por centenas de jornalistas, que não podem minimamente com a senhora várias vezes citada nestas linhas.

Não vou estar aqui a tecer grandes juízos de valor sobre a forma como Manuela Moura Guedes apresenta o seu telejornal (sim, a edição de sexta-feira do Jornal Nacional é propriedade exclusiva da senhora das mil plásticas e do seu inflado ego). Basicamente, a pivot da TVI recupera uma forma de fazer jornalismo que fez escola com o extinto O Independente, semanário criado em 1988 com o objectivo de ser uma forma de contra-poder, um ponto de ataque ao Governo em funções (neste caso, o de Cavaco Silva). No fundo, O Independente gostava de ser o jornal justiceiro, que desvendava todos os «podres» (ou pseudo-podres) do cavaquismo e incomodava quem tivesse que incomodar… desde que fosse do PSD e/ou do Governo.

Ora, Manuela Moura Guedes sempre se reviu nesta forma de jornalismo protagonizada por Paulo Portas, que, curiosamente, é líder do mesmo partido que elegeu como deputada (independente) a célebre pivot da TVI. O problema é que, reconhecidamente, Manuela Moura Guedes não tem metade da classe e do astuto brilhantismo de Paulo Portas (e de muitos dos que fizeram O Independente, a começar pelo estranho Miguel Esteves Cardoso), optando antes por um registo popularucho e exageradamente centrado na sua própria pessoa, que assim acaba por ser a grande «estrela» do noticiário de sexta-feira da TVI.

O estilo da célebre pivot da TVI (não sei se reparam, mas eu nunca lhe chamo jornalista) é tudo menos cinzento e aproxima-se, em grande medida, a um programa de entretenimento. É um estilo de apresentar como outro qualquer, mas que deixa demasiado espaço de manobra a quem quiser criticar a senhora que é casada com o director da estação de Queluz de Baixo. Até aquele sorriso idiota e repuxado (fruto de centenas e centenas de cirurgias plásticas substancialmente mal sucedidas) é capaz de estremecer violentamente o sistema nervoso do mais empedernido santo.

Mas, quem não gosta de ver Manuela Moura Guedes a apresentar um espaço noticioso, tem sempre um bom remédio: Mudar de canal. Eu, pessoalmente, não gosto da senhora em questão e nem tão pouco a reconheço como jornalista (não basta que a Comissão da Carteira de Jornalista o faça, meus amigos), mas isso é problema meu.

Marinho Pinto aceitou estar em directo no Jornal Nacional da TVI já com o objectivo de ferir a senhora em questão. E fê-lo de uma maneira, que, curiosamente, tem enormes semelhanças com o estilo… de Manuela Moura Guedes. Tal como a célebre pivot, Marinho Pinto não deixou a sua interlocutora falar, foi rude, teceu juízos de valor como bem entendeu e, qual juiz popular, ditou a sua sentença: a esposa de José Eduardo Moniz é uma vergonha para a TVI, para a classe jornalística e para o país. Marinho Pinto sabia que muita gente pensava justamente o mesmo e aproveitou-se disso para o dizer em voz alta, cara-a-cara com a senhora, em directo e em prime-time.

Perto disto, a discussão em directo entre Manuela Moura Guedes e Miguel Sousa Tavares foi apenas um foguete ao lado de uma bomba atómica.

Curiosamente, um dos momentos que despontou a ira estudada de Marinho Pinto foi o momento em que o bastonário foi acusado de fazer fretes políticos a José Sócrates. Ora, intencionalmente ou não, o líder da Ordem dos Advogados fez um gigantesco frete ao primeiro-ministro e secretário-geral do PS, ao descredibilizar e humilhar publicamente um espaço televisivo que, por norma, se dedicava (e dedica) a perseguir José Sócrates e/ou o PS.

Com a peixeirada de sexta-feira, Marinho Pinto pode ter conquistado a admiração de muitos, mas também ganhou a repulsa de várias pessoas, que agora se sentem tentadas a apoiar Manuela Moura Guedes. Seja como for, fazer inimigos não é uma novidade para Marinho Pinto, que, recorde-se, é contestado até dentro da Ordem dos Advogados (e, se calhar, mais ainda fora dela).

Mas, seja de quem for a razão, uma coisa é certa: Foi um momento muito, muito, muito triste para todo um País.

No momento em que escrevo estas linhas, não sei se a pivot vai continuar a apresentar o seu telejornal, mas é provável que a senhora ainda não seja carta fora do baralho. Afinal de contas, a estação de José Eduardo Moniz até pode ter alguma coisa a ganhar com isto, já que toda a gente vai sintonizar a TVI à hora do Jornal Nacional de sexta-feira, para ver se há mais peixeirada ou não.

Resta saber se alguma figura pública vai querer pôr os pés naquele estúdio de Queluz de Baixo quando lá estiver a pivot da boca grande…

sexta-feira, 22 de maio de 2009

JOKER (4): Governo Mãos de Tesoura

(Texto escrito após reler o post anterior e revisto após sugestão do APS)

Quando, um dia (muito) mais tarde, os historiadores fizerem um balanço do que foi o XVII Governo Constitucional, é bem possível que denominem este executivo de «Governo tesoura». De facto, olhando para estes mais de quatro anos de governação de José Sócrates, parece indubitável que os cortes foram a grande marca da acção de inúmeros ministérios.

Vejamos:

- Mariano Gago (Ciência, Tecnologia e Ensino Superior): Primeiro, CORTOU a Universidade Independente do panorama do ensino superior particular. Depois, fez o mesmo à Universidade Moderna e agora repete-se com a Universidade Internacional de Lisboa e da Figueira da Foz.

- Maria de Lurdes Rodrigues (Educação): Tratou logo de CORTAR as escolas que funcionavam em locais com poucos habitantes, que, sem estabelecimentos de ensino, ficam condenados a ter ainda menos gente no futuro. Para implementar o seu modelo de avaliação de docentes, CORTOU a direito e passou por cima de toda a gente, causando a ira de pais, professores, alunos, sindicatos, portugueses e estrangeiros residentes em Portugal.

- Ana Jorge (Saúde): Tem as tesouras mais ou menos guardadas, depois de o seu antecessor, Correia de Campos, ter CORTADO urgências hospitalares e maternidades como se não houvesse amanhã e de se ter tornado tão impopular que acabou CORTADO da lista de ministros. Já Ana Jorge meteu-se numa guerra com a Associação Nacional de Farmácias a propósito da possibilidade de serem vendidos genéricos mesmo contra a vontade do médico e decidiu CORTAR as vazas à malta da ANF.

- Manuel Pinho (Economia e Inovação): Graças à acção implacável da ASAE, CORTOU já inúmeros cafés e restaurantes dos guias de restauração, o que é interessante para um membro de um Governo que diz querer apoiar a criação de emprego e de empresas. Diz graçolas enquanto empresas CORTAM empregados por todo o País. Encolhe os ombros quando mais empresas decidem CORTAR de vez a produção, deixando milhares de pessoas no desemprego. É espantoso ver que José Sócrates não CORTOU este gajo do executivo.

- Augusto Santos Silva (Assuntos Parlamentares): Por ele, CORTAVA-SE o pio a todos os jornalistas e órgãos de comunicação social.

- Francisco Nunes Correia (Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional): Para começar, já se CORTAVA um pouco do nome do ministério, que é difícil de escrever, dizer e memorizar. Mas Nunes Correia preferiu CORTAR nas multas a certos poluidores, designadamente empresas (as suiniculturas de todo o País agradecem).

- Fernando Teixeira dos Santos (Finanças): Após o seu antecessor, Luís Campos e Cunha (o primeiro a ser CORTADO do Governo), ter subido o IVA, Teixeira dos Santos aproveitou a onda eleitoral para CORTAR um por cento ao imposto mais cego do Mundo. Lançou uma vasta série de iniciativas de modernização administrativa com o famoso SIMPLEX, que pretende, claro está, CORTAR nas burocracias. Nacionalizou o BPN, mas CORTOU-SE a fazer o mesmo em relação ao BPP, cujos clientes bem podem ir a Fátima de joelhos se quiserem que alguém olhe por eles. Inicialmente, pôs a máquina fiscal a recuperar toda e qualquer dívida em atraso (real ou imaginária), de molde a conseguir CORTAR violentamente no défice das contas públicas. CORTA o cabelo bem curtinho. Diz-se que, a breve trecho, poderá ser o próximo governador do Banco de Portugal, o que significa que Vítor Constâncio será, finalmente, CORTADO do cargo.

- Jaime Silva (Agricultura e Pescas): CORTOU nos subsídios a agricultores e pescadores, mas o que ele gostava mesmo de fazer era CORTAR do mapa de Portugal a agricultura e a pesca. Também já CORTAVA o bigode.

- Alberto Costa (Justiça): CORTOU às postas o que restava da credibilidade da justiça.

- Mário Lino (Obras Públicas, Transportes e Comunicações): CORTA fitas e vai a inaugurações. CORTOU-SE por causa de uma piada sobre aeroportos na Margem Sul do Tejo e acabou por ter se engolir um sapo de avantajadas dimensões.

- Vieira da Silva (Trabalho e Solidariedade Social): Uma vez que não consegue CORTAR no desemprego, CORTOU estatisticamente largos milhares de desempregados das listas do IEFP. A reforma da Segurança Social significa que muitos portugueses, no futuro, sofrerão violentos CORTES nas suas reformas.

- Rui Pereira (Administração Interna): O seu antecessor, António Costa, CORTOU direitos e mais direitos às forças de segurança, antes de se CORTAR do Governo e ir para a Câmara de Lisboa. Agora, Rui Pereira ameaça CORTAR do mapa algumas esquadras da PSP, mesmo se o ambiente do País, em termos de segurança, está de CORTAR à faca.

Assim, de memória, são estes os principais cortes que fixei.

Mas, claro está, temos ainda o nosso amigo José Sócrates, o homem que anunciou publicamente ter CORTADO o tabaco dos seus hábitos diários, depois de ter sido apanhado a exercer o feito vício num avião fretado pelo Estado. Tem vontade de CORTAR a cabeça aos miseráveis dos jornalistas que escarafuncham na merda para revelar pontos um tanto ou quanto obscuros do seu passado. CORTA todas as saídas à oposição, especialmente nos debates quinzenais na Assembleia da República, mas, nos últimos tempos, já se viu obrigado a CORTAR caminho para não perder a dianteira nas sondagens.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

A MANILHA VAI SECA (9): Gago, os fechos e a triste sina do pobre mexilhão

(Um texto produzido no meio das obras de remodelação)

O célebre caso da licenciatura de José Sócrates na Universidade Independente trouxe a público uma realidade da qual há muito se falava: a forma como certas instituições particulares de ensino superior concediam graus académicos sem a mais pequena sombra de exigência ou rigor. Durante anos, o mercado de trabalho foi inundado de licenciados, que, sem qualquer preparação aos mais diversos níveis, competiam directamente com aqueles que, de alguma forma, deram o litro para conseguir uma licenciatura ou mestrado.

Não estou a dizer que esta ou aquela instituição concedesse diplomas a troco de um cheque (embora tal acontecesse, de facto). Estou a dizer que sempre houve locais onde, graças a critérios de exigência inacreditavelmente baixos, conseguiam conferir o grau de licenciado a pessoas, que, por falta de trabalho ou de capacidade, não conseguiriam fazer mais do que um par de cadeiras numa faculdade a sério.

Mariano Gago, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, decidiu pôr um ponto final nesta brincadeira e, depois de ter encerrado compulsivamente a Independente e a Moderna, decide agora fazer o mesmo à Universidade Internacional de Lisboa e da Figueira da Foz, bem como ao Instituto Superior Politécnico Internacional. Neste últimos casos, a justificação da tutela foi bem clara: “Manifesta falta de viabilidade económico-financeira” da SIPEC - Sociedade Internacional de Promoção de Ensino e Cultura, S.A.

Todavia, volto a frisar que as verdades são como os chapéus: há muitas.

Há quem tenha a ideia que as privadas mais não eram do que coutadas de meninos ricos, que, mesmo não querendo esforçar-se minimamente, conseguiam uma licenciatura graças às avultadas posses financeiras dos seus progenitores. Isto pode ser verdade num ou noutro caso, mas, em muitas situações, passa-se justamente o oposto.

As décadas de 80 e de 90 trouxeram para Portugal a urgência das licenciaturas. Nesta época, muitos pais começaram a entender que os seus filhos teriam, obrigatoriamente, de ter estudos superiores como forma de garantir um futuro risonho, numa profissão agradável e, claro está, bem remunerada. Hoje, sabemos quão frágeis eram estes sonhos, mas, na altura, pensava-se justamente o contrário.

Muitos destes novos candidatos ao ensino superior eram provenientes de agregados familiares cujo nível cultural e/ou académico era bastante baixo - muitas vezes, o pai e a mãe mais não tinham do que a antiga quarta classe. Muitos foram criados em meios onde se diziam (e dizem) coisas como: “Tu fostes”, “tu fizestes”, “dá cá a farramenta”, “quaisqueres”. Nestas condições, vencer no mundo dos estudos tornava-se uma tarefa verdadeiramente titânica, especialmente quando muitos destes jovens concorriam a vagas que eram disputadas por filhos de quadros superiores.

Dou-vos um exemplo concreto (e pessoal) para tentarem perceber a importância do grau académico dos pais no desempenho futuro dos filhos. No meu primeiro ano de licenciatura, fui, destacadamente, o melhor aluno na cadeira de Sociologia. Os meus pais são ambos sociólogos e, apesar de não me terem ajudado directamente a fazer a cadeira, acabaram por me auxiliar de uma outra forma quase imperceptível para muitos (mas não para eles, sociólogos). Ao longo dos anos, nomes como Émile Durkheim, Auguste Comte ou Anthony Guiddens fizeram parte do meu dia-a-dia, o que, uma vez chegado ao ensino superior, me deu uma vantagem enorme sobre os meus demais colegas.

Perante esta desigualdade de oportunidades, muitos jovens viram-se sem notas para entrar no ensino superior público, gratuito e, regra geral, de boa qualidade (e exigente). Para fazer face às necessidades deste nicho de mercado, foram surgindo universidades privadas que, a troco de um cheque mensal (muitas vezes, pago com enorme sacrifício pelas famílias), aceitavam estes alunos excluídos do ensino superior público. Por vezes, para conseguirem ter licenciados no final do ano, muitas destas instituições viam-se obrigadas a fazer inúmeras concessões em termos de exigência, o que se reflecte, por exemplo, na parca (às vezes, lamentável) cultura geral de muitos dos jovens formados nestas instituições.

Por experiência própria, não sei quais seriam os graus de exigência da Independente, da Moderna ou da Internacional, embora, no caso da primeira, tenha sido tornado público o (anedótico) nível de esforço exigido ao nosso primeiro-ministro. Não tenho também elementos disponíveis que me permitam avaliar se, de facto, a decisão de Mariano Gago foi ou não correcta, até porque, nos casos da Moderna e da Internacional, o responsável pela tutela alegou condicionantes de ordem financeira.

O que sei é que, como diz o provérbio, “quando o mar bate na rocha, quem se fode é o mexilhão”.

Com o fecho destas três universidades, quem tem um diploma da Independente, da Moderna ou da Internacional, fica com uma licenciatura que quase deixa de o ser, apesar de todas as vozes dizerem justamente o oposto. Em termos de mercado de trabalho, muitos ficarão numa situação extremamente delicada em comparação com todos aqueles que têm um diploma de uma instituição que… bem, que ainda existe. Tendo em conta o actual panorama do mercado de trabalho, podeis tirar as vossas próprias conclusões sobre qual será o destino de muitas destas pessoas.

Neste contexto de fecho de universidades, destaco também todos os que perderam o emprego, bem como aqueles que foram surpreendidos a meio do curso e viram-se sem grandes alternativas para prosseguir os seus estudos. É que, em certos casos, há licenciaturas que apenas existiam nestas universidades.

Quanto a José Sócrates, a licenciatura dele não lhe trará grandes obstáculos no mercado de trabalho, posto que falamos de peixe graúdo e não de mexilhão. Quando deixar de ser primeiro-ministro, na pior das hipóteses, terá à sua espera um lugar de administrador não-executivo na Caixa Geral de Depósitos.

O EDITOR VAI A JOGO (5): A vossa opinião sobre um dilema de índole cromática

Confesso que, nestas últimas horas, tenho realizado dezenas de experiências em torno da conjugação de cores. Há algumas que me agradam, outras nem tanto. Há também alguns casos em que, à primeira vista, as opções pareciam interessantes, mas que, passado algum tempo, essas mesmas opções tornaram-se profundamente enfadonhas.

No momento em que escrevo estas linhas, temos um cabeçalho branco (já está definido), as barras laterais e a letra na mesma cor e um fundo principal em azul. É uma solução bastante clean e até agradável, ao mesmo tempo que, ao que me parece à primeira vista, não cansa muito os olhos. Mas tem o problema de me poderem conotar como sendo monárquico e/ou portista, embora não seja nem uma coisa, nem outra. Na verdade, preferia que não me conotassem com coisa alguma.

Neste ponto das minhas maquiavélicas experimentações cromáticas, aceito quaisquer sugestões, críticas, possibilidades, elogios, hipóteses…



Nota para a Lídia do SILÊNCIO CULPADO: Aceitei a tua sugestão e, numa das minhas experiências, voltei ao velho fundo negro (que dizes ser uma espécie de imagem de marca desta mesa de jogo de péssima fama). O resultado, em diversas variantes experimentadas, foi pavoroso. Acho que não valerá a pena ir por aí. Ainda assim, obrigado pela sugestão.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

O EDITOR VAI A JOGO (4): Obras de remodelação

O Dr. Mento tem o prazer de informar os seus estimados visitantes e amigos que, presentemente, está a proceder a uma pequena reforma visual no seu blog. Como tal, todos os que visitarem este espaço durante o decurso dos trabalhos, poderão ter algumas surpresas (que até podem nem ser propriamente positivas), uma vez que o aspecto final do novo ONZE DE ESPADAS encontra-se ainda no segredo dos deuses.

Para falar a verdade, nem mesmo eu sei qual será o aspecto final disto.

Estou em testes. Em experiências. Algumas poderão não correr muito bem, mas é um risco que assumo em prol da mudança, da inovação, da qualidade.

(De repente, descobri que poderia ser candidato a qualquer coisa - o discurso está cá todo)

Confesso que estava já algo saturado daquele fundo negro com títulos em cores berrantes. Visualmente, poderia ter algum impacto numa primeira visita, mas, em pouco tempo, começava a cansar. Além do mais, aquele formato não fazia quaisquer concessões à legibilidade, o que, em se tratando de um blog, é algo essencial - mais ainda quando os textos variam entre o grande e o enorme.

Sem saber ainda por que caminhos me conduzirão as minhas experiências, espero, pois, que apreciem o resultado final desta campanha de trabalhos de restauro.

Grato pela vossa preferência,



Dr. Mento
(Igualmente conhecido como o Onze de Espadas)

CHARLIE E A FÁBRICA DE CARTAS (1): Empresas & cérebros

Diz o Wall Street Journal que o Google está a desenvolver um algoritmo capaz de identificar todos os trabalhadores susceptíveis de poderem abandonar a empresa. Isto porque o celebro grupo com sede na Califórnia perdeu recentemente vários quadros superiores e quer, a todo o custo, estancar aquilo a que o Wall Street Journal chamou de “hemorragia de cérebros”.

Basicamente, o Google, para continuar a ser competitivo no ultracompetitivo universo da Internet (onde é um dos grandes nomes de peso), quer manter os seus melhores empregados.

Só que, claro está, isto passa-se nos Estados Unidos. No mundo civilizado, acrescenta-vos o Dr. Mento.

Em Portugal, uma das razões que explica a parca competitividade de muitas das nossas empresas reside justamente no pouco valor dado às qualificações, habilitações literárias e desempenho profissional dos trabalhadores. O privilégio vai todo para a mediocridade e para os baixos salários, o que, em sectores altamente especializados e/ou competitivos, é algo totalmente irrealista.

A aposta nos baixos salários como forma de poder apresentar um produto a baixo custo só funciona em países em vias de desenvolvimento e que não queiram dar o salto para o patamar seguinte. E, neste aspecto, Portugal está terrivelmente mal posicionado, já que não tem salários tão baixos como outros países (o que origina as temidas deslocalizações), está situado na periferia da Europa (algo terrível em tempos de alta do preço do crude), mas não tem uma cultura empresarial e laboral digna do estrato seguinte.

No fundo, Portugal é um país entre dois degraus, num equilíbrio precário que a crise do crédito de risco norte-americano veio desfazer por completo.

Quando a economia, em termos globais, começar a recuperar, todos os países/mercados/empresas que, ao longo dos anos, apostaram em força em I&D (acho piada a esta forma de escrever “investigação e desenvolvimento”), vão estar numa posição substancialmente mais forte, já que poderão ter soluções/produtos/serviços inovadores e competitivos para apresentar quando os mercados entrarem na retoma.

Há muito quem, neste momento, tenha ases de trunfo para jogar, mas que tenta guardá-los para uma vaza que não tenha apenas duques, ternos e quadras (lembro-me, por exemplo, da General Motors com o Chevrolet Volt, o automóvel que promete dar o passo seguinte na massificação dos híbridos). Mas há também quem aproveite a crise para jogar cartas altas, de molde a conseguir, pelo menos, fazer os pontos que permitam sobreviver a este jogo muito duro que está, neste momento, em cima da mesa.

Ainda assim, sei que há empresas que privilegiam os seus cérebros e que fazem de tudo para que estes estejam felizes. A essas, o meu aplauso, que, obviamente, não é extensível à generalidade do tecido empresarial luso, onde encontramos grandes empresas geridas de uma forma que levaria uma mercearia de bairro à falência em três tempos (conheço inúmeros casos assim).

Na verdade, como é que podemos esperar que os nossos patrões dêem valor algum aos seus cérebros, quando eles próprios são desprovidos de um?

CARTAS DO QUINTO NAIPE (1): O pequeno centro comercial

(Estreio hoje uma nova secção do blog, que, ao mesmo tempo que pretende fugir um pouco das tradicionais áreas da política e sociedade, vai levar-vos numa pequena viagem pelo tempo, até à Idade da Nostalgia)

Tempos houve em que as tardes de Domingo pertenciam a um mundo completamente diferente. Uma tarde de Domingo - esse momento em que o fim-de-semana esboça um sorriso agridoce, como que anunciando “adeus e até breve” - já foi algo precioso demais num país perdido nas páginas do tempo.

Lembram-se do que faziam com as vossas tardes de Domingo?

Lembram-se de como, hoje em dia, consomem as vossas últimas tardes do último dia do fim-de-semana?

Eu disse “consomem”.

Sim, hoje em dia, consumimos dias, como consumimos outra coisa qualquer. Consumimos por consumir, consumimo-nos a nós mesmos. E rezamos nas grandes catedrais do consumo. Em muitas delas, consumimos as nossas tardes de Domingo, como se o Mundo outro lugar não tivesse.

Mas nem sempre foi assim. Nem sempre fomos máquinas consumidoras compulsivas, misericordiosamente de joelhos diante de monstruosos centros comerciais. Centros devoradores de tardes de Domingo, digo eu.

Dolce Vita Tejo. Mais uma gigantesca superfície comercial, daquelas que nos são apresentadas publicamente como sendo um motivo de orgulho soberano para a lusa pátria. Até dizem que dão emprego a muita gente, embora ninguém pergunto que tipo de emprego elas dão. Quando abriu, corria até o rumor que o Dolce Vita Tejo seria o maior centro comercial da Europa. Na verdade, é a mesma ladainha que se ouve sempre que abre um novo centro comercial - pelo menos, desde a época em que abriu o Colombo. Mas não, este não é o maior da Europa. É o maior, isso sim, da Península Ibérica. Mas é melhor não dizer isto em voz alta - o nosso orgulho, enquanto povo construtor dos maiores centros comerciais da Europa, pode sair profunda e irremediavelmente ferido.

Lembro-me.

Muito bem, até.

Os pequenos centros comerciais de bairro.

Lembram-se?

Alguns, pela sua localização estratégica, ainda sobrevivem. Outros já fecharam as portas. Muitos agonizam rápida e inexoravelmente, sobrevivendo sabe-se graças a que milagre ou gesto de teimosia perante a marcha inexorável do tempo.

De uma forma ou de outra, muitos destes espaços comerciais ficaram indelevelmente gravados na nossa memória, mais não seja pelos muitos momentos que neles passamos, naqueles idos anos em que nem sequer o Amoreiras existia ainda.

Lembro-me de muitos deles em muitos locais. Por norma, mais não eram do que meras extensões do pequeno comércio local e tradicional, então rei e senhor das nossas cidades. Em muitos destes centros, não encontrávamos todas aquelas lojas de todas aquelas marcas que, hoje em dia, esperamos encontrar em qualquer centro comercial. Encontrávamos, isso sim, o velho pronto-a-vestir (sim, eu usei esta palavra), a velha loja com todos os electrodomésticos que pudéssemos imaginar amontoados a tordo e a direito, o velho cabeleireiro da Rosa lá do bairro, a velha loja de fotocópias, a velha papelaria/tabacaria, o velho clube de vídeo, a velha perfumaria, a velha loja de ferragens, a velha loja de discos (em vinil, pois claro), o velho café onde ainda se podia falar alto e praguejar, comer rissóis feitos em casa, fumar entre dois dedos de prosa, conhecer o homem que nos trazia imperiais/finos para a mesa.

Lembro-me até de uma destas lojas, onde matava um dos poucos desejos de consumo da minha infância: jogos para o Spectrum 48K (embora, no meu caso, eu tivesse o Timex 2048, a variante «deluxe» do 48K). Mas eram cópias-pirata, vendidas a preço e saldo e à luz do dia, num tempo em que tal seria tão normal como ir à casa-de-banho.

Noutro destes centros, vi, num pequeno café onde havia mais fumo do que pessoas, o meu clube ganhar, pela última vez, a Taça de Portugal (como não torço por um dos ditos três grandes, este é um privilégio que não posso ter todos os anos). Neste mesmo centro, comprei o primeiro número de um certo semanário (sim, era mesmo a primeira edição), sem imaginar que, 14 anos mais tarde, iria trabalhar para essa mesma publicação… e perder toda a imagem pueril que dela tinha.

Noutro destes centros, numa loja monumentalmente confusa, comprei o meu primeiro vídeo. Sim, um VHS. Custou muitas vezes aquilo que dei pelo DVD que tenho cá em casa e, por isso, quando o tive nas mãos, senti uma felicidade que, nos tempos de hoje, seria impossível sentir.

Lembro-me. De tudo isto e de muito mais.

Muitos destes espaços teriam uma sala de cinema… quando tinham. Nalguns, a higiene e a limpeza (até mesmo dos corredores) deixavam demasiado a desejar, mas não havia ASAE que implicasse com isso. Alguns, nem casa-de-banho teriam.

Nestes locais, estranhos e bizarros aos olhos do Mundo actual, não consumíamos as nossas tardes de Domingo deambulando por corredores de lojas e mais lojas. Na verdade, percorrer os corredores destes locais seria tarefa a cumprir em poucos minutos. Por isso, se por lá consumíssemos as derradeiras horas do nosso fim-de-semana, estas seriam passadas no pequeno café ou na pequena sala de cinema lá do centro comercial lá do nosso bairro. Porém, podia muito bem dar-se o caso de passarmos o fim do fim-de-semana entre a família ou, quem sabe, num passeio algures onde quatro paredes não nos fechassem num universo de medo e de consumo, frio e sempre igual ao ponto da exaustão.

Naquele estranho mundo de outrora, tudo era pequeno, tudo era simples e demasiado provinciano. Menos as nossas tardes de Domingo - essas eram sagradas demais para serem consumidas.



Nota de edição: Troquei a foto do Babilónia, na Amadora, por uma referente ao Galáxia, em Mem Martins, que exemplifica melhor a ideia do pequeno centro comercial de bairro. Seja como for, ambos sobrevivem actualmente devido à proximidade em relação a uma estação dos caminhos-de-ferro.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

ESPADAS QUE PICAM (5): Não fujam (a inspecção é vossa amiga)

Como, decerto, todos saberão, a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho, que engloba a antiga Inspecção-Geral do Trabalho) é a entidade que, entre outras atribuições, tem a seu cargo a fiscalização do cumprimento das normas laborais. À partida, dado que é um organismo criado para defender os mais diversos direitos dos trabalhadores consagrados na lei (e, mais especificamente, no Código do Trabalho), esta entidade deveria ser bem vista pelos funcionários de qualquer empresa ou organismo. Contudo, não é isso que se verifica em muitos casos.

Em muitas empresas, implementou-se uma estranha cultura em relação à entidade fiscalizadora das condições laborais. Em muitos locais, sempre que os inspectores chegam à recepção de uma dada empresa, soa imediatamente uma espécie de sinal de alarme que leva dezenas e dezenas de trabalhadores a fugir pela «porta do cavalo», como se corressem a sete pés da peste negra. Por norma, os que fogem são precários ilegais, trabalhadores cujos direitos são constantemente espezinhados pelas entidades patronais e que, por imposição destas, escapam ao único organismo que poderia fazer com que aquilo que está fora da lei pudesse passar a estar de acordo com a legislação.

O medo de perder o posto de trabalho gera comportamentos deste género. Ninguém quer ofender o patrão que nos ofende e todos consentimos numa vasta série de ilegalidades. Tudo para manter o pouco que temos.

Mas este comportamento é, salvo raras excepções (e admito que elas possam existir), extremamente errado. Quem foge da ACT, foge do cumprimento da lei, mas, sobretudo, dos seus próprios direitos. Fugir de uma inspecção da ACT é dizer: “Eu sou um monte de merda sem vontade própria, um escravo abjecto e nojento, a quem o patrão pode fazer o que bem entender”.

Critico este comportamento, mas, certa vez, já o segui. Não fugi, porque não estava no local de trabalho no momento da inspecção, mas recusei-me a entrar e a ser defendido por aqueles dois senhores que apenas queriam que a minha empresa cumprisse, em relação a mim, aquilo que está consagrado no Código do Trabalho. Ao não entrar naquela sala, dei o meu aval aos incumprimentos da minha empresa, que, confesso, não queria prejudicar (apesar de ela me estar a prejudicar em inúmeros aspectos).

Escrevo estas linhas pouco tempo depois de ter vindo de uma delegação… da ACT. Sim corro agora para o organismo do qual «fugi» em tempos. Corro porque a minha antiga empresa passou por cima de todas as normas do Código do Trabalho, mesmo das mais elementares (acreditem). Consenti, dei o meu OK a certos abusos e a entidade patronal tratou imediatamente de abusar ainda mais. Acho que só não abusaram de mim sexualmente, mas, de resto… é melhor nem vos dizer. É mau demais para quem só tem conhecimento de certos casos através das notícias.

Se o meu exemplo não vos servir, relembro-vos um outro, passado em Agosto de 2008 e que foi amplamente divulgado na Comunicação Social.

No centenário O Primeiro de Janeiro, ilustre matutino portuense, a prática de fugir à ACT era mais do que comum, o que dava à entidade empregadora, a Sédico, o direito de cometer todas as arbitrariedades possíveis e imaginárias (muitas delas foram já tornadas públicas). Um dia, quando a carteira minguou, o patrão da Sédico e d’O Primeiro de Janeiro, Eduardo de Oliveira Costa, montou uma estratégia de despedimento colectivo e completamente ilegal de 34 trabalhadores do célebre matutino, alegando que ia suspender a publicação do jornal por um mês… o que, como se sabe, não veio a acontecer.

De um momento para o outro, 34 pessoas ficaram sem emprego, com salários em atraso, sem indemnizações, sem subsídios de férias e de Natal… basicamente, ficaram sem nada. Quando recorreram à justiça, a insolvência da Sédico acabou por ser decretada judicialmente, mas a empresa anteriormente detentora d’O Primeiro de Janeiro não tinha quaisquer bens - nem sequer o próprio título, que havia sido previamente «trespassado» para outra empresa do grupo A Folha Cultural.

Agora que vos refresquei a memória com este triste episódio, digo e repito: Não fujam da ACT, ela é vossa amiga.

sábado, 16 de maio de 2009

A MANILHA VAI SECA (8): Um deles salta fora do baralho

Depois de uns quantos posts gigantescos a propósito da possibilidade de se formar um novo Bloco Central, vou retomar novamente este tema para vos elucidar sobre alguns detalhes que não ficaram totalmente claros.

Quando se imagina um Bloco Central, parte-se do princípio que será uma aliança entre José Sócrates e Manuela Ferreira Leite. Mas esse princípio pode ser uma base pantanosa para analisarmos a questão.

Se as Eleições Legislativas forem ganhas pelo PSD, certo é que José Sócrates pede a demissão do cargo de secretário-geral do PS. Com efeito, ninguém imaginaria Sócrates (ou qualquer outro primeiro-ministro, com excepção de Pedro Santana Lopes) a aceitar uma pasta ministerial depois de ter sido líder de um Governo maioritário.

Se as Eleições Legislativas forem ganhas pelo PS e se o PSD alcançar tal derrota depois de maus resultados nas Autárquicas, certo é que os barões cor-de-laranja irão pedir a cabeça de Manuela Ferreira Leite numa bandeja. Na verdade, há muito que certas vozes pedem a demissão da actual presidente do PSD, mesmo antes de estar ir a votos. Com duas derrotas consecutivas (ou mesmo com apenas uma), ninguém lhe irá perdoar o que quer que seja.

Por isso, as diferenças de feitio entre Sócrates e Ferreira Leite não necessitam de ser postas à prova num eventual Bloco Central, onde só caberá um deles. O outro passa a ser carta fora do baralho.

A MANILHA VAI SECA (7): O tabu e a possibilidade

Afinal, a reedição do Bloco Central é ou não uma invenção de jornalistas ávidos de novidades que não existem?

Bem, enquanto as Eleições Legislativas não se realizarem, podemos dizer, com toda a certeza, que o Bloco Central é um tema tabu para PS e PSD. Isto porque o objectivo primeiro de ambos os partidos será vencer as Legislativas, de preferência com uma maioria absoluta que permita ao próximo Governo levar a cabo um conjunto de reformas e intervenções na economia e sociedade, de molde a fazer com que Portugal se levante do pântano em que mergulhou.

Nada mais simples do que isto.

Porém, se PS ou PSD vencerem as Legislativas com maioria relativa, há que equacionar todos os cenários possíveis e um deles será o Bloco Central. Não, não estou a falar de pactos de regime para matérias específicas (o PSD de Luís Marques Mendes estabeleceu alguns com o PS, apesar de este último estar em situação maioritária no Parlamento). Estou mesmo a falar de um Governo de coligação, com membros de ambos os partidos em pastas de relevo. Foi o que aconteceu entre 1983 e 1985.

Mas… como?

Como é lógico, no PS, ninguém admite publicamente tal solução. No PSD, é um tema mal visto, já que, como referi num post anterior, todo o blá blá blá em torno do Bloco Central é apenas uma estratégia dos socialistas de molde a rebipolarizar a vida política portuguesa, evitando assim que muitos votos saiam do PS para o Bloco de Esquerda. Se a Assembleia da República estiver verdadeiramente bipolarizada entre PS e PSD, o partido que tiver mais votos tem a maioria absoluta e ponto final parágrafo.

Porém, dado que essa rebipolarização é um cenário difícil de concretizar (noutro post, explico-vos porquê), certo é que a possibilidade de o próximo Governo (que até pode ser do PSD, que tem vindo a recuperar bastante bem nas sondagens) é mais do que real. Por isso, quando chegar a hora da verdade, todos os cenários terão de ser muito bem equacionados. Podemos ter um Governo - do PS ou do PSD - minoritário, como podemos muito bem vir a ter uma coligação. Dada a intransigência da CDU e do Bloco de Esquerda e a extrema fraqueza do CDS-PP, é bem possível que uma união entre os dois partidos do centro seja a única alternativa viável em caso de coligação.

Muitas figuras de ambos os lados desdobram-se em desmentidos aos jornalistas, afirmando e reafirmando que as diferenças ideológicas entre José Sócrates e Manuela Ferreira Leite impedem qualquer possível enlace. OK, há diferenças entre ambos… mas são diferenças mais aparentes do que reais.

Diz-nos José Pacheco Pereira, um dos maiores críticos do disse-que-disse em torno do Bloco Central: “O actual PSD fornece aos eleitores aquilo que muitas vezes não existiu no passado: um programa alternativo face à ‘crise’. Os actuais defensores do Bloco Central ignoram que, poucas vezes como hoje, existe alternância de posições”.

Isto dito por um ferreiraleitista, que, às vezes, parece mais ferreiraleitista do que a própria Manuela Ferreira Leite. Como é óbvio, o patrão do Abrupto (de onde, de resto, retirei a citação acima mencionada) quer é ver o PSD a vencer as eleições e José Sócrates (pelo qual não esconde um asco profundo) fora do Governo.

E o que tem a dizer a própria Manuela Ferreira Leite sobre este assunto? Peguemos então numa frase da recente entrevista da líder do PSD ao «i»: “O meu modelo é não apostar mais na despesa pública, o que inclui investimento e consumo público, mas no sector privado: exportações e investimento privado, interno ou externo. É um modelo completamente diferente”.

Tudo bem, parece-me um modelo diferente. A questão-chave está em saber como é que Manuela Ferreira Leite vai apostar no sector privado, em especial nas suas «queridas» pequenas e médias empresas (que a própria gosta de designar por “piquenas e média empresas”). Por outro lado, o PS, através do programa de obras e investimentos públicos, também está a apoiar o sector privado e, muitas vezes, as PME, embora, regra geral, não fomente as exportações. Seja como for, não me parece que haja aqui uma grande divergência de ideias, pelo menos ao ponto de inviabilizar um aperto de mão.

Noutro contexto, Manuela Ferreira Leite diz o seguinte: “A solidariedade social, apoiar os mais desprotegidos, a procura de uma política em que esteja mais presente, cada vez mais presente, a justiça social”. Sócrates adora estes chavões e farta-se de ir à Assembleia da República (por norma, nos debates quinzenais) para ir anunciar mais umas benesses para “apoiar os mais desprotegidos” com vista a ter, “cada vez mais presente, a justiça social”. Neste ponto, tudo igual.

Todavia, a pergunta mais interessante diz respeito à passagem de Manuela Ferreira Leite pelo Governo PSD/CDS-PP liderado por um tal José Manuel Durão Barroso. O que faria a actual líder «laranja» se pudesse regressar a esses anos de 2002, 2003 e 2004? “Exactamente o mesmo. Estou absolutamente convicta de que aquilo que propusemos era o que o País precisava. E que o governo socialista veio, aliás, confirmar. Não há ninguém que diga que a política que estava a ser seguida era incorrecta”.

Muito tempo antes desta entrevista, Manuela Ferreira Leite chegou a afirmar que, sem esta onda de investimento/despesismo público, seria possível baixar impostos. Na altura, tal como agora, MFL criticou acerrimamente a construção do novo Aeroporto Internacional de Lisboa e da linha ferroviária de alta velocidade.

Ora, sucede que Miss Política de Verdade pertenceu a um Governo, que, curiosamente, na XIX Cimeira Luso-Espanhola, realizada na Figueira da Foz nos dias 7 e 8 de Novembro, assinou um curioso memorando com o Executivo espanhol: “Considerando a excepcional importância sócio-económica para os dois Países de uma rede ferroviária de alta velocidade ibérica coerente que, integrada nas Redes Transeuropeias, permita o máximo desenvolvimento das várias regiões abrangidas, Portugal e Espanha acordam na viabilização conjunta das ligações transfronteiriças nos seguintes termos: Serão estabelecidas e consideradas 4 (quatro) ligações para a materialização dos corredores: Porto-Vigo, Aveiro-Salamanca, Lisboa-Madrid e Faro-Huelva.”

Na verdade, o Governo de Durão Barroso, mesmo em anos de aperto de cinto por causa do défice das finanças públicas, fez questão de dar seguimento à linha-férrea de alta velocidade e, claro está, ao aeroporto de Lisboa, sendo que há uma óbvia interligação entre estas duas infra-estruturas, cuja definição terá de ser feita em conjunto (aliás, o mesmo acontece, por exemplo, com a terceira travessia sobre o Rio Tejo em Lisboa). E Manuela Ferreira Leite pertenceu a este Governo. E não se arrepende de nada que tenha feito (e deduzo que um mega-investimento desta ordem tenha tido o aval da tutela das Finanças).

Também foi justamente neste Governo que houve um então candidato a primeiro-ministro, que, antes das Legislativas de 2002, prometeu uma descida de impostos. Mal se apanhou no poder, José Manuel Durão Barroso, através da sua ministra das Finanças (sabem quem era?), anunciou logo uma subida do IVA de 17 para 19 por cento. Na verdade, três anos depois, um tal José Sócrates disse que não iria subir impostos e… pois, foi o que foi.

Em ambos os casos de subida do IVA que acabei de mencionar, a justificação foi sempre a mesma: o défice das finanças públicas deixado pelo Governo anterior a tal obrigou. Actualmente, o défice vai em 5,9 por cento e estou mesmo a ver onde é que isto vai dar.

Findo este longo texto, só tenho a dizer: os programas de Manuela Ferreira Leite e José Sócrates só são inconciliáveis na questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, um tema no qual, aliás, o actual primeiro-ministro não tem insistido muito nos últimos tempos (se calhar, porque é mesmo uma ideia para deixar cair). Contudo, no campo da actuação global em termos económicos, não estou a ver diferenças inconciliáveis.

Além do mais, embora Ferreira Leite e Sócrates tenham feitios difíceis de conjugar, um novo Bloco Central não necessita, obrigatoriamente, de contar com ambos. Mas isso é matéria para um post futuro.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

O EDITOR VAI A JOGO (3): Dois esclarecimentos

Primeiro esclarecimento: No post anterior, quanto utilizei as expressões «pretos» e «maricas», fi-lo num contexto de sátira pura e dura, para enfatizar algumas tiradas públicas de Manuela Ferreira Leite, que, como todos sabem, já mostrou publicamente ser homofóbica (indirectamente, ela assumiu isso mesmo) e, em menor grau, racista. Porém, diz o Dr. Mento que a homofobia e o racismo são cartas fora do baralho nesta mesa de liberdades e de respeito.

Segundo esclarecimento: Se alguém estranhou que eu nunca fale de jornais, tal tem uma razão bastante simples. Até muito recentemente, trabalhei na imprensa escrita e, por uma questão de ética, nunca me ponho a discorrer sobre o trabalho de outros jornais, seja ele bom ou mau. Sei que tal é norma em blogs de jornalistas ou ex-jornalistas, mas não neste. Isso explica porque é que, neste espaço, ignorei o lançamento do «i», embora, a título particular, já tenha comprado o jovem diário do Grupo Lena e tenha uma opinião própria sobre o mesmo. Do mesmo modo, não irei tecer uma palavra sequer sobre os jornais para os quais trabalhei até há muito pouco tempo: eles são o que são e ponto final. Além do mais, a opinião de alguém que abandonou uma dada empresa com alguma mágoa (embora tenha saído pelo meu próprio pé) não pode, de forma alguma, ser uma opinião isenta. Mas não será aqui que irei exorcizar esses demónios.

Findos estes dois esclarecimentos, voltemos ao jogo.

JOKER (3): Sócrates em busca de noiva

(Hoje, combato o estado depressivo e confuso em que me encontro com humor e sátira)

José Sócrates está a pensar em arranjar uma noiva. Sim, eu sei. Há aquela moça, a Fernanda, que é jornalista e até é jeitosa (embora não seja propriamente uma Dama de Copas). Mas o que o nosso primeiro deseja é uma noiva para o seu PS, que, daqui a alguns meses, pode precisar de uma companhia para ir às touradas em São Bento, onde touros de cinco ganadarias inimigas investem furiosamente com as suas hastes contra os ilustres forcados do Aposento da Rosa.

José Sócrates quer uma noiva para o seu PS. Não interessa que a noiva seja bonita ou feia, interessa é que faça o PS feliz.

Vai daí, o nosso primeiro veste-se de lavadinho, tira o Ás de Copas da manga e vai tentar seduzir os pais de quatro ilustres noivas.

PRIMEIRA NOIVA: PCP
José Sócrates até tem algumas simpatias por esta moça canhota. O jovem PS também é canhoto, ao que dizem, embora escreva e assine (projectos) com a outra mão. Mas parece que houve alguns problemas entre amigos da rapariga e do jovem PS, que, no último feriado (o 1.º de Maio), andaram à bulha no meio de Lisboa. E dizem as más-línguas que não é a primeira vez que andam à pancada, embora os amigos da jovem PCP sejam sempre os primeiros a partir para a ignorância.
Esta miúda é complicada de génio e tem a mania que não há cartas marcadas e que os baralhos são de toda a gente. Se a contrariam, vai logo para a rua protestar e olhem que ela tem muitos amigos - alguns deles, da pior ralé que se conhece.
O problema é o pai da nova. Jerónimo, ilustre membro da família De Sousa, é um Rei de Paus difícil de quebrar, que não se deixa seduzir por cartas de Ouros. Vai daí, quando o nosso Sócrates vai para pedir a mão da moça, irrompe o furibundo Jerónimo bramindo: “Vai-te embora daqui, mais as tuas malfeitorias! Nunca houve Às de trunfo que tantas vazas cortasse às gentes que trabalham para manter a mesa de jogo a funcionar!”
Palavras não eram ditas e o nosso Sócrates é corrido da casa canhota a chumbos de caçadeira.
“Além do mais, a minha PCP já é casada com um rapaz muito jeitoso e todo ecologista, que separa as embalagens do cartão todos os dias”, disse Jerónimo com os seus botões.




SEGUNDA NOIVA: BE
É uma moça de fino trato, como o próprio Sócrates. E também é canhota. Dizem que tem umas amigas bem giras e até há uma delas, uma Joana não-sei-das-quantas, que já andou a fazer olhinhos ao Soares (o tal velhote, rijo que nem cornos, que diz ser o pai biológico do jovem PS). É uma pequena culta e sabichona, que, se calhar, peca por saber demais e por ser sempre do contra.
O problema é o pai da moça. Agora é doutor catedrático e julga que é o maior da freguesia dele. Fala bem, o homem, mas o nosso primeiro diz que ele diz muitos disparates. O que eu sei é que o Sócrates tem medo do doutor economista, é o que é.
José Sócrates ainda se aproximou da casa da BE das amigas boas, mas desistiu logo da ideia. O pai, o professor Francisco, leva cada vez mais toiros para São Bento e diz-se que, mais ano, menos ano, leva também forcados, cavalos e cavaleiros. Qualquer dia, é ele o primeiro cá do burgo, dá as cartas que lhe convém e manda logo nacionalizar as mesas de jogo que dêem muito dinheiro. E quase que aposto que mudava as regras do jogo para poder casar cartas do mesmo naipe sem haver renúncia.
Não, esta não. Antes burro que me carregue do que cavalo que me derrube.



TERCEIRA NOIVA: CDS-PP
Outra rapariga de bons modos. Embora, em casa dela, volta e meia, andem todos à estalada. Dizem que CDS-PP é católica e devota, que não gosta de poucas-vergonhas, nem de cartas (sobretudo pretas) que venham de outras mesas. E não podemos esquecer que defende, com unhas e dentes, as velhas cartas de Espadas que ficaram marcadas nuns jogos que correram muito mal lá para as bandas de África. José Sócrates não gosta lá muito das ideias da pequena, mas enfim…
O problema é o pai da noiva. O Paulo (que tem um irmão muito amigo da BE das amigas boas) é um homem estranho. Apesar do fino trato e das palavras polidas, trata por tu todas as peixeiras do burgo e não se passa um dia em que não vá fazer as compras da casa no primeiro mercado que lhe surja no caminho. O Paulo gosta de ver a sua filha bem casada (já fez uns quantos enlaces, mas correram todos mal), porquanto que a troco de um bom dote em cartas de Ouros.
José Sócrates ainda pensou que valia a pena arriscar nesta rapariga, mas a moça está tão magrinha e doente, que, qualquer dia, desaparece. Não, o nosso primeiro quer que o jovem PS se case com uma moça que lhe ofereça um ombro amigo, que o apoie nos momentos difíceis.
Não, esta não. Ainda morre antes de chegar ao altar.


QUARTA NOIVA: PSD
José Sócrates estremeceu antes de ir bater à porta desta moça, que mora ali para os lados da Lapa. É uma rapariga grande e espadaúda, tal como o jovem PS, com quem, em tempos, chegou a ter um namorico de um par de anos. Mas esta PSD dá-se com demasiada gente da nobreza, todos eles barões, todos eles avarentos, quezilentos, malvados e sequiosos de cartas de todos os naipes. No meio desta nobreza, entram também uns rufias mal-afamados, como o malcriado do Alberto da Madeira ou o pintas do Pedro Lopes, D. Juan de trazer por casa e Calimero de segunda. “Nesta casa, Espadas é sempre o trunfo”, pensa o nosso José Sócrates.
Quem tem o Ás e a tutela da rapariga não é um homem, mas sim uma senhora, mãe da pequena. Uma senhora? Bem, dizem as más-línguas que a doutora Manuela tem um gato preto, faz poções com asas de morcego e, em vez de andar de carro, anda de vassoura. Dizem que faz magia com as contas da casa, mas o nosso primeiro diz que não passam de truques de ilusionismo barato.
Só que a PSD é uma jovem que não tem pejo em adaptar-se às circunstâncias. Se é para ser uma lady na mesa e uma puta na cama, que venham daí dez cartas. No fundo, é a verdadeira cara-metade do nosso PS, embora nenhum deles goste de admitir quanto gosta do outro.
Todavia, a mãe da noiva já veio fazer exigências: “
Para casares com a minha filha, jovem PS, vais ter de te livrar desses maricas e desses pretos com quem te dás. E vais ter de deixar de andar a brincar aos aviões e aos comboios. A minha filha só brinca às empresas, com umas casinhas piquenas”.
O nosso primeiro, homem que não necessita de yoga para dobrar bem a espinha, pensa, pensa, pensa e lança uma contra-proposta: “Olha, deixemos estar os comboios e os aviões de brincar, que ajudam muitos meninos que não têm nada no Natal. Quanto aos maricas e aos pretos, se é isso que queres, mando-os todos para o quarto escuro do Tarrafal e meto lá também os bandidos dos jornalistas, que têm a mania de me estar sempre a ver o jogo. Temos acordo?”

quarta-feira, 13 de maio de 2009

A MANILHA VAI SECA (6): Paulo Portas, a formiga e a verdade

Digo e repito: há muitas maneiras de se dizer a verdade e outras tantas de não se dizer a verdade. E as verdades são como os chapéus: há muitas.

Isto a propósito de Paulo Portas.

No encerramento das Jornadas Parlamentares do CDS-PP, que tiveram lugar em Aveiro, o líder centrista tocou num assunto interessante: o trabalho legislativo desenvolvido pelas várias bancadas com assento parlamentar. Há muito quem tenha uma ideia vaga das muitas iniciativas que, ao longo de uma legislatura, são apresentadas pelas várias forças políticas, embora seja certo que muitas das propostas que vão a plenário acabem sempre por ser chumbadas (facto quase garantido quando há uma maioria absoluta de um dos partidos).

Ora, o argumento de Paulo Portas para convencer o eleitorado a votar no CDS-PP nas Eleições Europeias passa justamente por essas iniciativas. E Portas, sem qualquer pejo, fez questão de salientar que, em termos de oposição ao Governo, o seu partido fez claramente mais do que o PSD (partido que, tal como o CDS-PP, integra a grande família do Partido Popular Europeu, que domina a maior parte dos assentos em Estrasburgo).

E diz-nos o ilustre Paulo: “É preciso censurar quem governou mal e premiar quem se opôs melhor. Nas pequenas e médias empresas, CDS apresentou 87 iniciativas [no Parlamento], o PSD 74. Na área da Segurança, o CDS apresentou 30 iniciativas, o PSD 13. Nas pensões, o CDS apresentou 20 iniciativas, o PSD sete. Fomos a formiguinha que mais trabalhou”.

Agora que a formiguinha já tem catarro, vejamos o outro lado da verdade:

1. Paulo Portas quer convencer o eleitorado a votar nas Eleições Europeias com o trabalho realizado na Assembleia da República, cujos 230 membros são escolhidos pelo povo, através de sufrágio universal. Nas Eleições Legislativas. Há uma pequena diferença.

2. O mestre-de-cerimónias de todas as feiras e mercados compara o número de iniciativas legislativas do seu partido com o PSD, que é o maior partido da oposição. O maior, mas não o único. E todos nós sabemos que o PCP, o BE e «Os Verdes» também são formiguinhas muito trabalhadoras neste aspecto. Só que Paulo Portas não fala neles. Só fala no PSD. Estranho, não?

3. Paulo Portas considera que o CDS-PP foi o partido que mais oposição fez ao Governo e, para exemplificar, mostra quantas iniciativas legislativas apresentou. Sucede que os deputados da nação são eleitos para fazer e votar leis que sirvam o povo. Digo e repito: leis que sirvam o povo. O que Portas nos diz é que, afinal, o CDS-PP não serve o País, trabalha apenas para aqueles que não gostam do PS e/ou do Governo. E o povo, pá?

4. Por fim, temos um problema clássico. Paulo Portas fala em quantidade de iniciativas legislativas, mas ignora por completo a questão da qualidade. A julgar pelo problema enunciado no ponto 3, adivinha-se porquê.

terça-feira, 12 de maio de 2009

ESPADAS QUE PICAM (4): Consequências ocultas do desemprego (III)

(Esta é a última parte)

O desemprego é, em si, um tumor na sociedade. Destrói pessoas, economias, sistemas de segurança social, famílias, carreiras e até governos. É o sinal mais óbvio de uma crise económica e financeira que começa com o colapso do crédito de risco norte-americano. Mas é também o sintoma da crise que demorará mais tempo a sarar.

Quando as economias começarem novamente a recuperar, todas as peças voltam, aos poucos, ao seu lugar. A forma como tal irá, de facto, acontecer, é uma incógnita - se alguém a conhecesse, decerto que já a teria aplicado. Seja como for, chegaremos a um ponto em que as economias vão voltar a crescer, tal como o consumo, o que vai obrigar muitas empresas a contratar novos trabalhadores. Neste ponto, o desemprego vai cair, mas…

Será que vamos ter novamente empregos de qualidade, capazes de realizar, estimular e satisfazer as pessoas que os ocupam?

Pois, é aqui que reside um dos problemas mais complicados. Uma crise como aquela que estamos a atravessar cria uma enorme bolsa de mão-de-obra (qualificada ou não) que, de repente, fica disponível. Durante um certo período de tempo, estes desempregados (ou parte deles) têm acesso ao subsídio de desemprego, mas esta prestação é atribuída apenas durante um dado número de meses. Quando termina esse período (um ano e meio, ao que julgo), há quem se veja privado de qualquer fonte de rendimento.

Perante a possibilidade de não terem sequer como encher o frigorífico, muitas pessoas vão ter de aceitar aquilo que o mercado de trabalho lhes quiser oferecer. Por exemplo, um emprego anteriormente remunerado com mil euros por mês, pode ver o seu valor reduzido para 500 euros… mas vai haver quem esteja desesperado o suficiente para aceitar. Os empregadores, na sua maioria, têm consciência dos dramas causados pelo desemprego e não têm qualquer pejo em aproveitar-se de situações familiares verdadeiramente lamentáveis.

Muita gente vai perder poder de compra com o fim da crise, já que certos novos ordenados de novos empregos serão inferiores até ao próprio subsídio de desemprego.

Para muitos portugueses, a retoma da economia é vista como uma luz ao fundo do túnel, um sonho quente numa noite glaciar, um trunfo escondido que permita fazer aquela vaza decisiva à sobrevivência do jogo. Mas, quando o tal trunfo não conseguir mais do que apanhar duques, ternos e quadras, a desilusão irá instalar-se nas mentes de milhares e milhares de pessoas, que, de súbito, tomam consciência de que mais não são do que meros peões no xadrez da economia global.

Há quem acredite que a crise económica e financeira pode trazer consigo convulsões sociais como há muito não se via, levando mesmo à queda de governos, partidos e até regimes políticos. Todavia, o fim da crise é que poderá ser, afinal, o momento do despontar de novas ondas de conflitualidade social.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

ROYAL STRAIGHT FLUSH (1): Cláudia Jacques e Paulo Rangel

(Entre pôr a foto dele ou a dela, optei, naturalmente, pela da Cláudia)

Cláudia Jacques e Paulo Rangel.

Nada em comum, para além do branco dos olhos.

Ou não?

Na verdade, Cláudia Jacques e Paulo Rangel têm em comum o facto de serem os expoentes máximos de novas expressões, novos usos, novos costumes e novas idades.

Não, não enlouqueci.

O Dr. Mento explica.

Aos 44 anos, Cláudia Jacques foi a capa da segunda edição da Playboy portuguesa. Em 2008, havia sido capa da Maxmen, revista para a qual pousou, logicamente, com mais alguma roupa vestida, embora sempre com a ajuda de algum Photoshop.

Aos 41 anos, Paulo Rangel é o cabeça-de-lista do PSD às Eleições Europeias, um ano depois de ter sido nomeado presidente do grupo parlamentar social-democrata. Apesar de ter desempenhado o cargo de Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça no efémero Governo de Pedro Santana Lopes, foi com Manuela Ferreira Leite que saltou para a primeira linha da vida política portuguesa.

Ainda não conseguiram descortinar as semelhanças?

Vou continuar com a minha explicação.

Por norma, entendemos que a capa da Playboy deve estar reservada, salvo raras excepções, a mulheres jovens, bonitas e boas. Quanto ao segundo e terceiro adjectivos, nada a apontar quando associados a Cláudia Jacques (alguém discorda?). Quanto ao primeiro adjectivo… bem, em tempos, a Cláudia Jacques seria apelidada de «cota», mas, nos dias que correm, é, na verdade, uma jovem. Uma miúda de 44 anos.

Por norma, entendemos que os principais cargos políticos devem ser desempenhados por pessoas experientes e olhamos, de imediato, com desconfiança, quando um jovem ocupa um desses mesmos lugares de responsabilidade. No fundo, todos desejamos e pedimos renovação na vida política portuguesa, mas, no final do dia, queremos é as mesmas velhas figuras de sempre, os eternos velhos peidos da III República nos seus poleiros bafientos. Quando Paulo Rangel surge na liderança do grupo parlamentar do PSD e no primeiro lugar da lista às Europeias, de imediato muito velho peido franziu as sobrancelhas. “Quem é este miúdo de 41 anos que se atreve a levantar a crista, quando deveria estar em casa a comer a sua Maizena preparada pela mamã?”, perguntam eles.

Com o aumento da esperança média de vida, as nossas concepções de criança, jovem, adulto, meia-idade e velho sofreram transformações brutais, mesmo que, muitas vezes, não nos apercebêssemos. Ainda há não muito tempo, os 40 eram aquele limite em que a juventude se esfumava para todo o sempre, para darmos entrada na horrenda meia-idade de todas as crises. Hoje, os 40 são mais uma década de juventude que se segue à dos 30. Os 20, esses, começam a parecer uma espécie de segunda adolescência, até porque o aumento do número de anos de estudo, aliado a uma entrada tardia e periclitante no mercado de trabalho, faz com que as gentes dos 20’s sejam olhados como adultos que não o são.

Do mesmo modo, já não usamos a expressão «um velho de 60 anos». Na verdade, só começamos a fazê-lo com pessoas na casa dos 70. Aliás, acredito que, dentro de alguns anos, a idade média da reforma estará fixada nos 70 anos, o que até faz bastante sentido tendo em conta a cada vez mais tardia entrada no mercado de trabalho e a cada vez maior esperança média de vida.

Hoje em dia, a esperança média de vida na União Europeia é de 78,67 anos, valor um pouco acima dos 78,21 que temos em Portugal. Nos Estados Unidos, chega mesmo aos 79,01 e, no Japão, aos 82,12 anos.

Neste contexto, Cláudia Jacques e Paulo Rangel têm algo em comum: Cada um no seu mundo, representam este Portugal dos jovens de 40, onde já não há adultos de 20, nem velhos de 60.